Agência FAPESP
21/05/2018

Universidade Ludwig Maximilian de Munique. [1]
Três modelos de educação superior repercutiram globalmente, influenciando as iniciativas educacionais de diferentes países: o alemão, o francês e o norte-americano. No Brasil, por exemplo, as diretrizes que estruturaram o ensino superior foram, de início, fortemente calcadas na norma francesa – determinante na criação da Universidade de São Paulo, em 1934. Sofreram, depois, pesada influência norte-americana, na reforma educacional promovida pela ditadura civil-militar, em 1969. Um livro, há pouco publicado, investiga os três modelos internacionais de educação superior referidos. Seu título expressa de forma muito simples e direta o conteúdo: Modelos internacionais de educação superior: Estados Unidos, França e Alemanha.

Coordenado por Reginaldo Carmello Corrêa de Moraes, professor titular da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o livro constitui um subproduto do projeto “Ensino superior, políticas de pesquisa e inovação, processos de desenvolvimento – estudo comparado de quatro países: Alemanha, Brasil, França e Estados Unidos”, conduzido por Moraes e apoiado pela FAPESP. E também recebeu apoio da FAPESP para publicação. Além de Moraes, participaram da redação as pesquisadoras Maitá de Paula e Silva e Luiza Carnicero de Castro.

“Os três modelos foram escolhidos por nós porque, de certo modo, forneceram padrões que se disseminaram pelo mundo”, disse Moraes à Agência FAPESP. “O modelo alemão, o mais antigo do período contemporâneo, criado por Humboldt na primeira metade do século XIX, estabeleceu um sistema que combina ensino e pesquisa. Tornou-se tão influente que a Alemanha se transformou no polo de atração para os grandes intelectuais norte-americanos no final do século XIX e início do século XX. Era para lá que eles se dirigiam, com o objetivo de aprofundar sua formação em pesquisa. Vários deles estudaram na Alemanha, inclusive Talcott Parsons [1902-1979], o fundador da sociologia norte-americana, que frequentou a Universidade de Heidelberg, em 1927”, prosseguiu.

Quando as universidades de pesquisa norte-americanas foram criadas, em 1870, seus fundadores se inspiraram no modelo alemão. John Hopkins, Chicago, Clark seguiram esse modelo. Após a Segunda Guerra Mundial, com a Europa devastada, os Estados Unidos tornaram-se o centro do mundo. Os fabulosos recursos econômicos proporcionados pela atividade industrial voltada para o esforço de guerra forneceram a base material para a hegemonia cultural norte-americana, que as indústrias cinematográfica e fonográfica ajudaram a disseminar. E isso repercutiu também na exportação de seu modelo de ensino superior.

“O terceiro modelo, o da França, foi replicado nos países que participaram do antigo império colonial francês. Mas não apenas neles. Foi também influente em outros lugares, inclusive no Brasil, servindo de paradigma para a criação da Universidade de São Paulo”, afirmou Moraes. Foi à França que o então governador do Estado de São Paulo, Armando de Salles Oliveira, enviou o matemático Teodoro Ramos, professor da Escola Politécnica, para contratar professores e pesquisadores das várias áreas do conhecimento com o intuito de compor o quadro docente da futura USP. O antropólogo Claude Lévi-Strauss, o historiador Fernand Braudel e o sociólogo Roger Bastide foram alguns dos que atenderam ao convite.

Do ensino profissionalizante às escolas nobres

A pesquisa conduzida por Moraes proporcionou algumas informações de certo modo surpreendentes. “Quando se considera o ‘índice de cobertura’, isto é, a porcentagem de jovens na faixa etária adequada que frequentam instituições de ensino superior e o percentual da população adulta que tem diploma de curso superior, os da Alemanha são os menores no comparativo entre os três países. E, no entanto, a Alemanha é dos três a que possui o padrão industrial mais inovador”, disse o pesquisador.

A explicação para esse aparente paradoxo está na força do ensino médio alemão. “A Alemanha deu muita importância à escola média e profissionalizante como a organização que administra a transição da juventude para a idade adulta: 70% dos jovens alemães desfrutam de algum tipo de ensino profissional. A universidade é um degrau a mais, cujo acesso é relativamente restrito. “Os americanos, ao contrário, têm um ensino médio de qualidade muito desigual. A maioria das High Schools têm baixa qualidade. Eles tentam resolver essa deficiência no nível superior por meio dos Community Colleges, que oferecem um ensino de curta duração, de dois ou três anos, e cujo nível é quase equivalente ao do ensino médio alemão”, informou Moraes.

Como se depreende, a comparação internacional é difícil, pois um mesmo termo nomeia, muitas vezes, coisas bastante diferentes. A Alemanha possui um ensino médio fortíssimo, com viés profissionalizante. E dois tipos de instituição de ensino superior: a universidade e a escola superior. O tempo médio de permanência dos alunos nessas instituições é de cinco a seis anos. Os Estados Unidos, ao contrário, têm um ensino médio fraco e procuram suprir essa deficiência estrutural com os Community Colleges. “Bombeiros, ajudantes de enfermagem, eletricistas, detetives se formam em Community Colleges”, comentou o pesquisador.

Segundo Moraes, mesmo universidades norte-americanas que estão no topo do ranking mundial possuem um ensino de graduação menos sofisticado, concentrando seu padrão de excelência nos cursos de pós-graduação.

A França possui um modelo que fica entre os dois extremos. Tem um sistema de educação superior com basicamente quatro tipos de escola. Uma delas é a universidade. Praticamente todos os estudantes que terminam o ensino médio têm o direito de entrar em alguma universidade. A despeito de seu renome internacional, a universidade francesa é pouco seletiva, a não ser em alguns cursos específicos, como o de medicina. “Em geral, ela é uma ‘escolona’ aberta e não o centro de educação da elite profissional, pública ou privada, nem o centro da pesquisa científica e tecnológica. Isso como regra geral, é claro, pois existem alguns departamentos de algumas universidades que são altamente sofisticados”, ressaltou Moraes.

“A instituição nobre para a formação dos quadros de nível superior é a chamada ‘Grande Escola’: a Escola de Minas, a Escola Politécnica, a Escola Nacional de Ciência Política etc. Estas são seletivas e altamente elitizadas. Formam a elite da elite: presidentes, ministros, diretores de grandes empresas etc. Essas escolas estão fora da estrutura das universidades. Os melhores alunos dos liceus, do ensino médio, se candidatam para elas. Mas, quando aprovados, não entram propriamente nas Grandes Escolas. Fazem o que se chama de classes preparatórias para as Grandes Escolas. São três anos cursados nos próprios liceus. Depois, completam sua formação, com mais dois anos nas Grandes Escolas. Por isso, muitos professores de ensino superior ensinam como agregados [agrégés] nas grandes escolas preparatórias”, prosseguiu.

Muitos dos professores que vieram ao Brasil dar aulas na antiga Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP eram, na verdade, professores desses liceus nobres. Foi o caso, por exemplo, de Fernand Braudel (1902- 1985), um dos principais integrantes da chamada École des Annales, que renovou a historiografia francesa e internacional. Braudel foi agrégé nos liceus Pasteur, Condorcet e Henri-IV em Paris, antes de vir para o Brasil e colaborar na estruturação da Universidade de São Paulo, onde lecionou de 1935 a 1937.

“Outro diferencial é que, na França, a pesquisa científica e tecnológica não é administrada pelas universidades, mas por grandes instituições públicas, como, por exemplo, o CNRS [Centre National de la Recherche Scientifique – Centro Nacional da Pesquisa Científica]. Trata-se de um grande contratador e financiador da pesquisa. Muitos cientistas fazem suas carreiras ali. O CNRS estabelece contratos com departamentos e laboratórios de universidades e cria centros de pesquisa de excelência dentro de universidades. Mas esses centros não pertencem às universidades, e, sim, ao próprio CNRS”, acrescentou o pesquisador.

As outras duas instituições de ensino superior francesas foram criadas na transição dos anos 1960 para 1970. Uma delas é o instituto universitário tecnológico (Institut Universitaire de Technologie – IUT), que é seletivo (os aspirantes devem passar por exame de seleção) e muito exigente, muito escolar em seu funcionamento, com controle de frequência, provas todos os meses etc. O padrão de ensino é elevado e o percentual de transição da escola para o emprego é altíssimo.

A outra instituição, também seletiva, mas de nível um pouco mais baixo, é a seção técnica superior (Sections de Technicien Supérieur – STS). Constitui como que um segundo andar dos liceus, para formação de profissionais de nível médio qualificados, com cursos de curta duração, de dois ou três anos. Foi criada como um meio de democratizar e disseminar o ensino.

Ensino público x ensino privado

Tanto na França como na Alemanha, o ensino privado é mínimo, em todos os níveis: elementar, médio e superior. E o ensino superior é quase que totalmente público. Até nos Estados Unidos, o ensino superior de graduação é majoritariamente público: 70% dos alunos estudam em universidades estaduais públicas (não há federais) ou em Community Colleges, que também são públicos. “Mas a educação pública superior nos Estados Unidos é paga, com anuidades e taxas. Um terço do orçamento das escolas é sustentado pelas taxas cobradas dos estudantes. O restante é basicamente dinheiro público. Inclusive grandes e renomadas escolas privadas, como Harvard e MIT, recebem enormes aportes de dinheiro público. O rendimento proveniente das aplicações dos patrimônios privados das universidades e as doações feitas por grandes magnatas cobrem uma parte mínima dos orçamentos. Essas doações servem muito mais para os herdeiros comprarem seus lugares nas escolas”, disse Moraes.

O pesquisador acrescentou que outra importante fonte de recursos para as instituições de ensino superior é a pesquisa contratada. O Massachusetts Institute of Technology (MIT) é, basicamente, um grande provedor de pesquisa contratada. No passado, essa pesquisa foi quase que inteiramente direcionada para o setor militar. Hoje, está mais diversificada, com destaque também para a área de saúde. É claro que os estudantes se beneficiam com essas pesquisas, porque muitos deles se vinculam a laboratórios mantidos pelos contratadores. Mas os gastos com ensino têm importância menor no orçamento da instituição.

Já foi dito que o modelo brasileiro combinou as influências francesa e americana. Esta prevaleceu a partir da reforma universitária da ditadura, com a eliminação da cátedra, a departamentalização, a adoção do sistema de créditos, a chamada diversidade institucional, isto é, a coexistência de universidades e escolas isoladas. Menos conhecido é o fato de que houve também uma influência do modelo inglês no padrão de financiamento da pesquisa, com a criação de agências como a FAPESP, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) etc., que atuam de maneira complementar às universidades. [2] [3]

[1] Crédito da imagem: Diego Delso (CC BY-SA 3.0), via Wikimedia Commons. https://en.wikipedia.org/wiki/Ludwig_Maximilian_University_of_Munich#/media/File:Edificio_principal,_Jard%C3%ADn_Bot%C3%A1nico,_M%C3%BAnich,_Alemania_2012-04-21,_DD_04.JPG.

[2] O texto completo deste trabalho está no livro: RC Moraes et al. Modelos internacionais de educação superior: Estados Unidos, Alemanha e França. Editora Unesp (2017).

[3] Esta notícia científica foi escrita por José Tadeu Arantes.

Como citar esta notícia científica: Agência FAPESP. Os três modelos mais influentes de educação superior. Texto de José Tadeu Arantes. Saense. http://www.saense.com.br/2018/05/os-tres-modelos-mais-influentes-de-educacao-superior/. Publicado em 21 de maio (2018).

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