Tábata Bergonci
06/04/2016

Após seis anos de experimentos, cientistas criam bactéria com o menor genoma conhecido. [1]
Após seis anos de experimentos, cientistas criam bactéria com o menor genoma conhecido. [1]
A célula é a unidade fundamental da vida. O conjunto de genes que uma célula possui, chamado genoma, carrega toda a informação necessária para produzir e determinar a constituição de um organismo. O genoma possui instruções para realizar funções que são comuns a todas as formas de vida (por exemplo, fabricar proteínas essenciais), mas também instruções que são particulares a cada espécie (a cauda dos pavões machos, longa, colorida e com desenhos que parecem olhos, é um exemplo bem peculiar).

Se quisermos entender o princípio da vida, será preciso descobrir quais são os genes essenciais para mantê-la. Desde 1984, cientistas tem utilizado a forma mais simples de vida que se conhece, o micoplasma – nesse caso, a espécie Mycoplasma genitalium, uma bactéria com 525 genes [2] – para desvendar os genes fundamentais para a sobrevivência de um organismo. Em 2010, pesquisadores construíram em laboratório um genoma idêntico ao do micoplasma e, quando este foi inserido em uma célula, esta conseguiu sobreviver, mostrando que a construção de genomas é viável [3] e, acredite se quiser, que podemos criar vida em laboratório!

Para responder questões básicas sobre as funções essenciais para a vida, cientistas concluíram que seria necessária a construção do menor genoma possível, eliminando genes que não são cruciais para a sobrevivência. Eis que então surgiu uma nova vida: uma bactéria com um genoma construído “a partir do zero” por mãos humanas e “empurrado” para dentro de uma célula utilizando uma corrente elétrica [4]. Mas como isso foi possível?

Primeiramente, cientistas precisaram analisar trabalhos do mundo inteiro e combinar resultados de mutações e deleções que não afetavam a sobrevivência do micoplasma. Eles classificaram os genes como essenciais, não essenciais e quase-essenciais (genes que não são absolutamente necessários para a vida, mas são importantes para um crescimento robusto da célula). Então, eles sintetizaram um genoma viável com 901 genes, derivado do genoma de outro micoplasma, o Mycoplasma mycoides.

Depois, com o genoma sintético pronto, eles desenvolveram métodos para testar o impacto da ausência de cada gene, e foram deletando pouco a pouco os que não inviabilizavam a vida. No final, eles criaram a bactéria sintética syn3.0! A syn3.0 possui apenas 473 genes. Comparando com nós humanos, isso corresponde a 2,4% dos 20 mil genes que temos em nossas células!

Na syn3.0, alguns genes quase-essenciais foram mantidos para permitir um crescimento adequado da bactéria, já que a intenção é usá-la em experimentos futuros. Assim, os pesquisadores ressaltam que, tecnicamente, o genoma poderia ser ainda menor. A criação desse pequeno genoma pode ajudar os biólogos a entenderem melhor como organismos complexos evoluíram a partir de organismos mais simples. Esse genoma também é um avanço na biologia sintética, e pesquisadores podem usá-lo para criar organismos com funções não existentes na natureza. Por exemplo, gerar bactérias que podem “comer” resíduos tóxicos ou que funcionem como remédio no interior do corpo.

Como tudo na ciência, essa criação traz várias descobertas, mas também muitas dúvidas. Diversos genes considerados não essenciais para a vida não puderam ser removidos do genoma.  Dos 473 genes da bactéria criada, um terço deles tem função não identificada. Cientistas vêm sequenciando inúmeras formas de vida no planeta, e ainda assim não sabemos o que 149 genes essenciais para a vida fazem! Para os líderes do projeto, o biólogo Craig Venter e o microbiologista Clyde Hutchison, desvendar a função desses genes será a próxima e mais excitante etapa. Durante a construção do genoma, eles descobriram que muitos genes eram essenciais somente após a remoção de um segundo gene, mostrando a complexidade da vida mesmo nos mais simples seres vivos.

“A vida é mais como uma orquestra do que como um único músico”, concluíram os criadores de vida, poetizando a ciência.

[1] Crédito da imagem: Alex Bertolini (Flickr) / Creative Commons (CC BY-SA 2.0). URL: https://www.flickr.com/photos/ab_techno_blog/2555107671.

[2] HJ Morowitz. The completeness of molecular biology. Isr J Med Sci 20, 750 (1984).

[3] DG Gibson et al. Creation of a bacterial cell controlled by a chemically synthesized genome. Science 329, 52 (2010).

[4] CA Hutchison III et al. 2016. Design and synthesis of a minimal bacterial genome. Science 351, 6253 (2016).

Como citar este artigo: Tábata Bergonci. Cientistas criam em laboratório o ser vivo com o menor genoma de que se tem conhecimento. Saense. URL: http://www.saense.com.br/2016/04/cientistas-criam-em-laboratorio-o-ser-vivo-com-o-menor-genoma-de-que-se-tem-conhecimento/. Publicado em 06 de abril (2016).

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