Matheus Macedo-Lima
11/11/2015

Crianças com cataratas são um problema prevalente em países subdesenvolvidos. Crédito: Mohammed Muhit (Flickr) / Creative Commons.
Crianças com cataratas são um problema prevalente em países subdesenvolvidos. [1]
Hipóteses, descobertas, testes, aplicações. Essa é a ordem mais comum pela qual passam os achados científicos. Nas ciências da saúde, esse processo pode levar décadas ou, até mais comumente, nunca se completar. Um projeto idealizado pelo Dr. Pawan Sinha, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), desafia essa ordem. Ele fundou uma organização para tratar e recuperar problemas de visão em crianças na Índia e, no processo, estuda a reorganização do cérebro quando os olhos são restaurados.

A ideia do projeto Prakash – “luz” em sânscrito – foi concebida em uma visita do pesquisador à Nova Délhi [2]. Ao doar dinheiro a uma família de pedintes em um sinal de trânsito, o Dr. Sinha notou que as crianças tinham olhos opacos. Ele aprendeu aí que cataratas não afligem somente idosos. A partir desse momento, o pesquisador obstinou-se a ajudar essas crianças escrevendo e aprovando projetos de financiamento junto ao governo americano, que culminaram com o início de uma organização para o tratamento de doenças visuais em crianças na Índia [3].

Cataratas em crianças não são incomuns; correspondem a 7-15% dos casos de cegueira infantil. Em países subdesenvolvidos a prevalência pode chegar a 15 em 10.000 crianças [4]. As causas podem ser atribuídas a infecções durante a gravidez (como rubéola e toxoplasmose) e são trivialmente tratadas com cirurgia (e possivelmente colírio no futuro [5]). É justamente neste ponto que o projeto Prakash intervém. Até o momento já foram examinadas 42.000 crianças, operadas 467 e 1.400 tratadas não-cirurgicamente de diversos problemas de visão. O visionário Dr. Sinha também viu nessas crianças uma oportunidade única de responder uma pergunta crucial da ciência: será que o cérebro “aprende” a ver?

Experimentos realizados pelos Drs. David Hubel e Torsten Wiesel nos anos 60, postularam a ideia de que há um período crítico, durante o qual as áreas visuais do cérebro precisam receber informações vindas dos olhos para se desenvolver corretamente. Eles mostraram que animais que tinham um olho vendado durante a infância, tornavam-se cegos daquele olho para sempre – estes experimentos viriam a conceder o prêmio Nobel em fisiologia ou medicina de 1981 a esses pesquisadores. Por razões éticas (óbvias), esses experimentos só haviam sido realizados em gatos e macacos e a incerteza sobre como o cérebro humano se comportava ainda rondava. O projeto Prakash está atacando o cerne dessa dúvida: as crianças que passaram por cirurgias mesmo após o assumido período crítico, surpreendentemente recuperam muitos aspectos da visão, como distinção de contraste [6] e formação de padrões espaciais [7], e muito rapidamente após a recuperação dos olhos. Esses dados são cruciais, por exemplo, para que sejam mudadas as recomendações de cirurgias de restauro de visão em adolescentes, antes possivelmente negadas devido ao encerramento do suposto período crítico.

O projeto recruta voluntários e ainda tem objetivos ambiciosos: construir um campus de tratamento, ensino e pesquisa para centralizar e maximizar os benefícios que essas crianças – e a ciência – podem ter.

[1] Crédito da imagem: Mohammed Muhit (Flickr) / Creative Commons (CC BY-NC 2.0). URL: https://www.flickr.com/photos/communityeyehealth/8408927900/.

[2] Project Prakash. URL: http://www.projectprakash.org/.

[3] P Sinha. Once Blind and Now They See. Scientific American 309, 48 (2013).

[4] J Yi et al. Epidemiology and molecular genetics of congenital cataracts. Int J Ophthalmol 4,  422 (2011).

[5] IFLScience. New Eye Drops Can Dissolve Cataracts With No Need For Surgery. URL: http://www.iflscience.com/health-and-medicine/one-step-closer-cataract-dissolving-eye-drops/.

[6] A Kalia et al. Development of pattern vision following early and extended blindness. PNAS 111, 2035 (2014).

[7] T Gandhi et al. Improvement in spatial imagery following sight onset late in childhood. Psychol Sci 25, 693 (2014).

Como citar este artigo: Matheus Macedo-Lima. Curar a cegueira em crianças quebrando dogmas científicos. Saense. URL: http://www.saense.com.br/2015/11/curar-a-cegueira-em-criancas-quebrando-dogmas-cientificos/. Publicado em 11 de novembro (2015).

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