Hendrik Macedo
12/02/2019

Imagem de raio-x do tórax com possível diagnóstico de câncer de pulmão. [1]
A aplicação de técnicas de Aprendizado de Máquina na área de imagens médicas é um campo de pesquisa em constante evolução e de resultados recentes muito importantes. No artigo “Diagnóstico inicial do câncer de pele, em breve, no seu bolso”, por exemplo, falo sobre como os diagnósticos de carcinomas e melanomas (respectivamente, o tipo mais comum e o mais mortal de câncer de pele) feitos pela máquina a partir de uma foto da área afetada na pele rivalizaram ou mesmo superaram a de dermatologistas. Na área de Radiologia, trabalhos anteriores indicaram que o desempenho de algumas dessas técnicas chega a ser superior ao desempenho de radiologistas na detecção de alguns problemas como pneumonia, doença renal policística e nódulos pulmonares [2], [3], [4].

Em trabalho recentemente publicado por pesquisadores de universidades e laboratórios ingleses [5], esse bom desempenho foi motivador para criação e validação de um método de triagem inteligente de radiografias de tórax em tempo real (responsáveis por mais de 40% da demanda). Os pesquisadores utilizaram um conjunto de 470 mil radiografias de tórax de adultos adquiridas ao longo de 10 anos. Cada uma das imagens foi rotulada por um especialista dentre 15 possíveis alterações na imagem. A depender do tipo de alteração, a demanda é classificada como crítica, urgente, não-urgente e normal. A primeira etapa do método refere-se exatamente ao termo “especialista” citado anteriormente: o especialista foi na verdade uma máquina dotada de capacidade em processar e mapear a linguagem usada em cada relatório de radiologia e estabelecer automaticamente os rótulos das 470 mil radiografias com rapidez e, principalmente, enorme acurácia; mais especificamente, o sistema obteve sensibilidade de 96% e especificidade de 97% (isso no pior dos casos). A arquitetura usada para esse processamento de linguagem natural foi uma rede neuronal recorrente chamada Bidirectional Long Short-Term Memory (BiLSTM). Essa é uma rede da mesma família utilizada pelo Google em seu sistema de tradução automática, por exemplo (falo sobre isso no artigo “Do you speak English? No. Yo hablo español.”.  A segunda etapa consistiu de um sistema de visão computacional com uso de duas Redes Neuronais Convolucionais (CNNs) treinadas com essas radiografias já rotuladas com o objetivo de predizer/determinar a prioridade clínica a partir de uma nova imagem radiológica. O desempenho dessa predição foi avaliado com um conjunto independente de 16 mil radiografias. A sensibilidade e especificidade do sistema de visão foi de 71% e de 95%, respectivamente. Por fim, para quantificar os benefícios potenciais do sistema inteligente criado, um estudo foi conduzido em ambiente real clínico com implantação do sistema para organizar autonomamente a fila de prioridades. Resultados mostraram que o atraso médio da emissão de laudos para casos classificados como críticos caiu de 11,2 dias para 2,7 dias e de casos urgentes, de 7,6 dias para 4,1 dias. Segundo os pesquisadores, a triagem automatizada em tempo real e artificialmente inteligente mostrou-se viável, com desempenho clínico bastante aceitável.

Ainda que a geração automática de laudo radiológico pela máquina seja um tema controverso no meio da Radiologia [6], ao menos é válido considerar que a Inteligência Artificial provê um ferramental valioso para a melhoria da eficiência do fluxo e força de trabalho [7]. Observa-se uma demanda crescente em todo o mundo por exames radiológicos, acompanhada por uma crescente fila de espera pelos respectivos laudos. Se considerarmos os sistemas de saúde pública, essa espera pode ser bastante considerável, o que reforça de fato a necessidade por melhores mecanismos de triagem de radiografias que priorizem laudos de casos mais urgentes.

[1] Crédito da imagem: Doruk Salancı, Wikimedia Commons, https://commons.wikimedia.org/wiki/File:LungCancer-Xray-01.jpg.

[2] Rajpurkar P, Irvin J, Zhu K et al. CheXNet: radiologist-level pneumonia detection on chest x-rays with deep learning. Cornell University Library https://arxiv.org/abs/1711.05225. Published December 25 (2017).

[3] Kline TL, Korfiatis P, Edwards ME et al. Performance of an artificial multi-observer deep neural network for fully automated segmentation of polycystic kidneys. J Digit Imaging 30(4):442–448 (2017).

[4]  Ciompi F, Chung K, van Riel SJ et al. Towards automatic pulmonary nodule management in lung cancer screening with deep learning. Sci Rep 7(1):46479 (2017).

[5] Annarumma, M., Withey, S. J., Bakewell, R. J., Pesce, E., Goh, V., & Montana, G. Automated triaging of adult chest radiographs with deep artificial neural networks. Radiology, 180921 (2019).

[6] Recht M, Bryan RN. Artificial intelligence: threat or boon to radiologists? J Am Coll Radiol 14(11):1476–1480 (2017).

[7] Thrall JH, Li X, Li Q et al. Artificial intelligence and machine learning in radiology: opportunities, challenges, pitfalls, and criteria for success. J Am Coll Radiol 15(3 Pt B):504–508 (2018).

Como citar este artigo: Hendrik Macedo. Fila inteligente para laudos radiológicos. Saense. http://saense.com.br/2019/02/fila-inteligente-para-laudos-radiologicos/. Publicado em 12 de fevereiro (2019).

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