Agência FAPESP
04/01/2019

Coala. [1]
Quando se fala em extinção em massa, é comum imaginar um meteoro caindo na Terra e dizimando dinossauros, mas não é bem assim. As diversas extinções em massa na história do planeta ocorreram de forma diferente sobre os grupos de seres vivos. Um exemplo são os mamíferos, classe de vertebrados que já existia no tempo dos dinossauros e sobreviveu ao evento extintivo massivo há 66 milhões de anos, que marcou o fim do período Cretáceo.

Havia quatro linhagens de mamíferos contemporâneas dos répteis gigantes. Todas sobreviveram. Algumas saíram mais chamuscadas, outras menos. Em estudo publicado na Biology Letters, os biólogos Tiago Bosisio Quental, da Universidade de São Paulo, e Mathias Pires, da Universidade Estadual de Campinas, buscam entender de que forma os diversos grupos de mamíferos atravessaram a extinção em massa no fim do Cretáceo. O trabalho contou com apoio da FAPESP.

“Quando se fala em extinções em massa, subentende-se um evento de grandes proporções, durante o qual um número elevado de espécies se extinguiu em um período relativamente curto”, disse Pires.

Outro modo de se olhar para as extinções em massa é observar o número de espécies no registro fóssil. Verifica-se que em um determinado período geológico ocorreu uma extinção em massa quando o número total de espécies que desapareceu do registro fóssil é muito superior ao número de novas espécies.

“Ou seja, é quando a taxa de extinções, velocidade com que espécies são perdidas, supera a taxa de especiações, a velocidade com que as espécies são geradas. Isso torna negativa a taxa de diversificação, que é dada pela diferença entre as duas taxas”, disse Pires.

No registro fóssil dos últimos 500 milhões de anos foram identificadas cinco grandes extinções em massa (e muitas outras de menor escala). Elas ocorreram por diversos motivos, como vazamentos magmáticos por centenas de milhares ou milhões de anos, liberando bilhões de toneladas de gases de efeito estufa que envenenaram a atmosfera e bloquearam a radiação solar.

Foi o que ocorreu na pior das extinções em massa, há 252 milhões de anos, que marcou a passagem dos períodos Permiano ao Triássico (e das eras Paleozoica à Mesozoica), quando mais de 90% das espécies desapareceram. Extinções em massa também ocorreram quando houve a liberação maciça de bilhões de toneladas de gás carbônico (CO2) aprisionadas no subsolo oceânico, causando um megaefeito estufa – como especula-se ter ocorrido no final do período Triássico, há 201 milhões de anos, com perda de 80% das espécies.

Ou o contrário, com o sequestro de bilhões de toneladas de CO2 da atmosfera, o que derrubou as temperaturas, causando uma severa glaciação planetária. Foi assim há 444 milhões de anos, no fim do período Ordoviciano, quando desapareceram 86% das formas de vida.

Evento K-Pg

A extinção em massa de 66 milhões de anos atrás se chama evento K-Pg, sigla que se refere ao momento em que acaba o período Cretáceo (Kreide, em alemão) e inicia o período seguinte, o Paleógeno (Pg). Em uma escala de tempo mais ampla, o evento K-Pg foi o instante geológico que marca o fim da era Mesozoica, aquela dominada pelos dinossauros, e o início da Cenozoica, os últimos 66 milhões de anos.

O evento K-Pg foi provocado pela associação de dois fatores: vazamentos magmáticos devastadores onde hoje é a Índia, conjugados com a colisão de um astro celeste de 10 quilômetros de diâmetro na península de Yucatán, no atual México.

“Todos esses episódios de extinção massiva são heterogêneos. Tiveram causas diferentes e transcorreram de forma diversa. Da mesma forma, seu impacto sobre as formas de vida não foi absoluto, mas relativo. Alguns grupos sofreram mais, outros menos. Alguns desapareceram, enquanto outros aproveitaram as novas condições ambientais pós-catástrofe para se diversificar rapidamente”, disse Pires.

No novo trabalho, os pesquisadores buscaram entender de que modo as diversas linhagens de mamíferos existentes no final do Cretáceo ultrapassaram o gargalo biótico do evento K-Pg. Também participaram do estudo Daniele Silvestro, da Universidade de Gotemburgo (Suécia), e Brian Rankin, da University of California em Berkeley (Estados Unidos).

A grande classe dos mamíferos surgiu no Triássico há pelo menos 220 milhões de anos, idade do fóssil mais antigo que se conhece. No fim do Cretáceo, a linhagem era bastante diversificada. Havia os placentários (como são popularmente conhecidos os eutérios), linhagem à qual pertence o Homo sapiens, assim como todos os primatas, roedores, morcegos, cetáceos e ungulados, entre outros.

Havia também os marsupiais (ou metatérios), grupo que hoje acolhe gambás, cangurus e coalas. Eles dividiam o cenário com o grupo dos monotremados e, por fim, com o dos multituberculados (seu nome deriva do formato específico de seus dentes, com vários tubérculos).

O novo estudo ressalta que a extinção em massa do Cretáceo se abateu fortemente sobre os mamíferos. Isso não quer dizer que todos os quatro grupos sofreram com a mesma intensidade. A extinção em massa foi mais severa para uns do que para outros.

Durante o Cretáceo, entre 145 e 66 milhões de anos atrás, os multituberculados eram a linhagem dominante e a mais diversificada entre os mamíferos. Sabe-se isso porque, no registro fóssil que antecede o evento K-Pg, os fósseis de multituberculados são a grande maioria. Já os fósseis de placentários e de marsupiais, embora menos numerosos, também são encontrados em bom número.

A exceção são os monotremados. Assim como ocorre hoje, quando há somente duas famílias de monotremados viventes – das quais fazem parte o ornitorrinco e a equidna –, o registro fóssil dos monotremados é muito rarefeito, tanto antes quanto depois do Cretáceo, sugerindo que este grupo sempre foi relativamente marginal em relação às outras linhagens de mamíferos. É também por essa razão que tal linhagem não foi incluída no estudo.

Sabendo-se que havia multituberculados, placentários e marsupiais, qual grupo de mamíferos foi mais severamente atingido no K-Pg? De qual linhagem sobreviveram mais gêneros? Qual grupo apresentou o maior aumento de diversidade (maior especiação) nos milhões de anos imediatamente posteriores ao gargalo biótico? Qual grupo jamais se recuperou do cataclismo?

O único meio para tentar obter respostas a essas perguntas é recorrer ao registro fóssil encontrado em uma mesma região do planeta, de modo a tentar garantir que, há 66 milhões de anos e naquela região, a catástrofe se abateu de forma mais ou menos equivalente sobre todos os grupos de mamíferos.

Quental e Pires elegeram a América do Norte como local do estudo, uma vez que 150 anos de contínuas prospecções paleontológicas naquele continente fornecem um rico painel da diversidade de mamíferos antes, durante e após o evento K-Pg.

“A América do Norte apresenta um registro fóssil com qualidade suficiente para esse tipo de estudo. Já foram feitos outros estudos analisando como os mamíferos ultrapassaram a extinção do Cretáceo, mas até onde pudemos constatar este é um dos primeiros a analisar a dinâmica da diversificação das distintas linhagens de mamíferos”, disse Quental.

Os cientistas utilizaram um conjunto de dados com 188 recentes assembleias fossilíferas do Cretáceo e do Paleoceno – abrangendo um lapso temporal que vai de 69,9 milhões de anos até 55 milhões de anos atrás –, formações localizadas no interior ocidental da América do Norte.

“O registro fóssil de mamíferos da América do Norte possui assembleias muito bem estudadas com datações em torno do evento K-Pg, sendo as ocorrências de fósseis relativamente bem resolvidas, minimizando a incerteza taxonômica. O conjunto de dados que utilizamos inclui informações sobre quase 290 gêneros de mamíferos, entre multituberculados, eutérios e metatérios”, disse Quental.

Foram empregados diversos métodos estatísticos avançados para identificar padrões de originação, extinção e diversificação, antes, durante e após o K-Pg. Os resultados evidenciaram que as três linhagens atravessaram a extinção em massa de maneiras bem distintas.

O estudo indica que a taxa de originação de Methateria (marsupiais), por exemplo, permaneceu aproximadamente constante durante todo o intervalo de tempo estudado. No entanto, um claro pico de extinção é identificado durante o K-Pg, gerando um saldo líquido de diversificação negativo. Passado o evento K-Pg, a taxa de extinção diminuiu gradualmente. No entanto, a diversificação líquida negativa persistiu por mais de 2 milhões de anos, até cerca de 64 milhões de anos atrás.

Quanto aos multituberculados, eles estavam se diversificando no fim do Cretáceo, apresentando altas taxas de originação e taxas de extinção relativamente baixas. Já em torno do limite K-Pg, a taxa de extinção permaneceu baixa, mas observam-se quedas na taxa de originação, o que derruba a diversificação de multituberculados para perto de zero. Ou seja, durante o K-Pg a taxa de diversificação encontra-se em equilíbrio, pois aproximadamente a mesma quantidade de gêneros de multituberculados está se originando e se extinguindo.

Segundo o estudo, decorrido o K-Pg, embora a taxa de extinção dos multituberculados permanecesse em queda, o declínio na taxa de originação era ainda maior, consequentemente levando a uma diversificação negativa. Em outras palavras, a quantidade de gêneros de multituberculados continuou diminuindo durante o restante do período analisado, até 55 milhões de anos atrás. Tal declínio parece ter persistido por muito mais tempo, dado que os multituberculados desapareceram progressivamente do registro fóssil mundial, até, por fim, a linhagem terminar há cerca de 35 milhões de anos.

Especula-se que a razão para o fim dos multituberculados teria sido a competição crescente com uma nova linhagem de eutérios, os roedores, cuja ordem tem origem justamente logo após o evento K-Pg, já no período Paleógeno.

Quanto aos eutérios (placentários), o estudo mostra alta originação e alta extinção perto do limite K-Pg, resultando em uma inflexão na diversidade. As taxas de originação eram muito superiores àquelas das extinções, exceto no período entre 66 milhões de anos e 64 milhões de anos atrás.

Logo após, verifica-se um segundo pulso de originação, acompanhado pela queda nas taxas de extinção, sinal da ocorrência de uma curta explosão na diversificação. Em torno de 62 milhões de anos atrás, a originação de eutérios diminui, enquanto a diversificação fica em torno de zero, sugerindo um equilíbrio de diversidade.

“Encontramos três padrões de diversificação entre os grupos de mamíferos. Metatheria se comporta da forma clássica em uma extinção em massa. Diversas extinções se agrupam no tempo, levando a uma queda severa na diversificação”, disse Quental.

Segundo o pesquisador, nos multituberculados a diminuição na diversificação e a subsequente perda de diversidade foram impulsionadas pelo declínio das taxas de originação e não pela extinção, ou seja, perderam diversidade porque demoravam muito para gerar novas espécies.

“Já os eutérios mostram uma dinâmica mais complexa de ascensão e queda, mais precisamente atribuída por oscilações rápidas na taxa de especiação durante e logo após o K-Pg, ao mesmo tempo que a taxa de extinção aumenta, porém, não tanto a ponto de causar uma diversificação negativa por muito tempo”, disse Quental.

Pires ressalta que o estudo mostra que a extinção em massa do K-Pg foi ecologicamente seletiva entre as linhagens de mamíferos, “com uma concentração de extinções entre metatérios carnívoros especializados e eutérios insetívoros, enquanto os eutérios e os multituberculados mais generalistas mantiveram maior diversidade”.

Embora os resultados indiquem que os eutérios (placentários) sofreram perdas substanciais no limite de K-Pg, essas perdas foram compensadas pelo aumento da originação. Pode ter ocorrido diversificação entre os eutérios sobreviventes, graças à chegada à América do Norte de outros grupos de eutérios provenientes de outros continentes.

“A plasticidade de dietas dos multituberculados pode ter permitido que os grupos persistissem, explicando as baixas taxas de extinção. A diversidade ecológica e taxonômica dos multituberculados foi crescente durante o fim do Cretáceo. No entanto, nossas análises mostram que os multituberculados não compensaram as perdas por extinção, pois geravam cada vez menos diversidade, diferentemente dos eutérios, cujas perdas foram compensadas por altas taxas de originação”, disse Pires.

A conclusão dos pesquisadores indica que, quando os clados (grupos com ancestral comum) são avaliados individualmente, eventos de extinção em massa podem ser vistos como mudanças na extinção, na originação ou em ambos os regimes.

“Isso significa que os estudos sobre fenômenos macroevolutivos que são centrados em grandes grupos taxonômicos podem estar deixando de contar uma história macroevolutiva muito mais rica, só percebida em escalas taxonômicas mais sutis”, destacam.

O artigo Diversification dynamics of mammalian clades during the K–Pg mass extinction (doi: 10.1098/rsbl.2018.0458), de Mathias M. Pires, Brian D. Rankin, Daniele Silvestro e Tiago B. Quental, pode ser lido em http://rsbl.royalsocietypublishing.org/content/14/9/20180458. [2]

[1] Crédito da imagem: MartinStr (Pixabay), CC0 Creative Commons.
https://pixabay.com/en/koala-australia-koala-bear-lazy-226279/.

[2] Esta notícia científica foi escrita por Peter Moon.

Como citar esta notícia científica: Agência FAPESP. O destino dos mamíferos após a extinção dos dinossauros. Texto de Peter Moon. Saense. http://www.saense.com.br/2019/01/o-destino-dos-mamiferos-apos-a-extincao-dos-dinossauros/. Publicado em 04 de janeiro (2019).

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