Matheus Macedo-Lima
27/12/2018

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“Dor-de-cabeça” geralmente se refere a uma dor irritante e generalizada, frequentemente associada a desidratação, intoxicação por álcool ou muito tempo no computador. Anti-inflamatórios comuns normalmente são suficientes para a cura. Dores de cabeça comuns raramente duram mais que algumas horas se medicadas.

Já a enxaqueca é uma doença altamente debilitante que atinge cerca de 15% da população – sendo 3 vezes mais comum em mulheres. Os portadores acabam passando muitas horas (até dias!) com dores de cabeça excruciantes, muitas vezes sem causa ou gatilho aparente. As dores ocorrem geralmente em um local da cabeça e são acompanhadas de náusea e vômito e sensibilidade à luz, cheiros ou sons. Alguns portadores reportam que as dores são precedidas ou “avisadas” por alucinações visuais, chamadas auras (bolinhas ou estrelas flutuantes). Anti-inflamatórios comuns são geralmente ineficientes e drogas mais potentes e com ações mais amplas têm de ser utilizadas.

Se você não sofre de enxaquecas, nunca reclame de sua ressaca para alguém que sofre!

Por conta de sua importância, as causas da enxaqueca têm sido intensamente estudadas em laboratórios de pesquisa.

Mas qual a causa da dor? Por alguns motivos que discutiremos abaixo, um nervo localizado na cabeça chamado nervo trigêmeo desencadeia um forte processo inflamatório no cérebro em portadores de enxaqueca.

Detalhes nerd: esse nervo se chama trigêmeo porque se ramifica 3 vezes, um ramo vai para a área dos olhos e testa, outro para a área do maxilar superior e um para a área da mandíbula. Esses ramos contêm fibras nervosas que promovem movimento de músculos e detectam dor e toque na pele. O nervo trigêmeo é o maior nervo craniano!

As causas de inflamação do trigêmeo em portadores de enxaqueca podem ser muitas, mas o alto componente hereditário (genético) da doença levou cientistas a estudarem e descobrirem vários genes, cujas mutações se associam à ocorrência de enxaquecas. Uma dessas mutações ocorre no gene KCNK18, e foi encontrada em muitos pacientes de enxaqueca e em todos os membros de uma família que apresentavam enxaquecas precedidas de aura, mas não em outros membros [2].

Esse gene fabrica uma proteína (detalhe nerd: um canal de potássio chamado TRESK) na membrana de alguns neurônios e serve para regulação elétrica. A mutação descoberta (vamos chama-la de mutação 1) no estudo acima é dominante (basta um dos pais) e fabrica proteínas mutantes que inibem os canais TRESK saudáveis, fazendo com que neurônios do nervo trigêmeo se tornem hiperativos e hipersensíveis a estímulos.

Só que a estória não é tão simples assim.

Uma outra mutação (mutação 2) que causa o mesmo efeito de inibição dos canais TRESK foi descoberta tanto em portadores de enxaqueca, como em não-portadores. A mutação 2 apesar de inibir o TRESK, não aumenta a sensibilidade do trigêmeo [3]. Como assim, Bial?!

Seis anos depois temos a resposta. Um estudo publicado esse mês (dezembro, 2018) explica que a mutação 1 acaba inibindo, além do TRESK, dois outros canais de potássio com efeitos semelhantes (TREK1 e TREK2), enquanto a mutação 2 apenas inibe o TRESK [4]. Os cientistas até conseguiram induzir sintomas de enxaqueca em ratos por meio da indução de mutações genéticas no trigêmeo!

Esses estudos são muito importantes, porque agora sabemos detalhes sobre os “culpados” pela enxaqueca de muitas pessoas. Um simples teste genético é suficiente para encontrar essas mutações. A utilização de drogas que corrijam essa deficiência nas correntes de potássio no trigêmeo, ou melhor ainda, terapias gênicas que corrijam a mutação podem ser a esperança de cura para milhões de pessoas.

[1] Crédito da imagem: Anubis (SketchPort), CC BY 4.0. https://www.sketchport.com/drawing/5246633990160384/migraine.

[2] RG Lafrenière et al. A dominant-negative mutation in the TRESK potassium channel is linked to familial migraine with aura. Nat Med 10.1038/nm.2216 (2010).

[3] I Andres-Enguix et al. Functional analysis of missense variants in the TRESK (KCNK18) K+channel. Sci Rep 10.1038/srep00237 (2012).

[4] P Royal et al. Migraine-Associated TRESK Mutations Increase Neuronal Excitability through Alternative Translation Initiation and Inhibition of TREK. Neuron 10.1016/j.neuron.2018.11.039 (2018).

Como citar este artigo: Matheus Macedo-Lima. Agora que sabemos a causa, vamos curar a enxaqueca?. Saense. http://saense.com.br/2018/12/agora-que-sabemos-a-causa-vamos-curar-a-enxaqueca/. Publicado em 27 de dezembro (2018).

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