ESO
20/11/2018

Sistema estelar triplo massivo Apep. [1]
Esta espiral serpenteante, capturada pelo instrumento VISIR montado no Very Large Telescope do ESO (VLT), enfrenta um futuro explosivo; trata-se de um sistema de estrelas Wolf-Rayet, uma fonte provável de um dos fenômenos mais energéticos do Universo — uma explosão de raios gama de longa duração.

Esta é a primeira vez que descobrimos um tal sistema na nossa própria Galáxia,” explica Joseph Callingham, do Instituto Holandês de Rádio Astronomia (ASTRON), autor principal do estudo que descreve este sistema, “Nunca esperávamos encontrar um sistema destes no nosso “quintal” [2].

O sistema, que compreende um ninho de estrelas massivas rodeado por um “catavento” de poeira, está catalogado como 2XMM J160050.7-514245, no entanto os astrônomos optaram por lhe dar o nome de “Apep”.

Apep era uma antiga divindade egípcia, uma serpente gigantesca que personificava o caos —  o que se adequa perfeitamente a um sistema estelar tão violento e com uma forma sinuosa, reminiscente de uma serpente enroscada em torno das estrelas centrais. Os antigos egípcios acreditavam que Rá, o Deus-Sol, combatia com Apep todas as noites; rezar e venerar Rá garantia a sua vitória e o regresso do Sol.

As explosões de raios gama encontram-se entre as mais poderosas do Universo. Com uma duração de alguns milésimos de segundo a algumas horas, estas explosões podem liberar tanta energia como a que o Sol liberará durante toda a sua vida. Pensa-se que as explosões de raios gama de longa duração — as que duram mais de 2 segundos — são causadas por estrelas Wolf-Rayet em rotação rápida que explodem sob a forma de supernovas.

Algumas das estrelas mais massivas evoluem para estrelas Wolf-Rayet no final das suas vidas. Esta fase dura pouco, sendo que as Wolf-Rayet sobrevivem neste estado durante apenas algumas centenas de milhares de anos — um mero piscar de olhos em termos cosmológicos. Durante esse tempo, estas estrelas liberam enormes quantidades de matéria sob a forma de poderosos ventos estelares, lançando a matéria para o exterior com velocidades de milhões de km por hora; os ventos estelares de Apep estão a viajar à incrível velocidade de 12 milhões de km por hora.

Estes ventos estelares deram origem a elaboradas plumas que rodeiam o sistema estelar triplo — constituído por um sistema estelar binário e uma estrela individual companheira ligados gravitacionalmente. Apesar de apenas dois objetos do tipo estelar serem visíveis na imagem, a fonte inferior é de fato um binário Wolf-Rayet não resolvido. É precisamente este binário que é responsável por esculpir as espirais serpenteantes que rodeiam Apep, as quais se formam a partir dos ventos estelares em colisão das duas estrelas Wolf-Rayet.

Comparada com a velocidade extraordinária dos ventos de Apep, o catavento de poeira espirala para o exterior mais lentamente, com uma velocidade inferior a dois milhões de km por hora. Pensa-se que esta discrepância entre a velocidade dos ventos rápidos de Apep e da roda de poeira se deve a uma das estrelas do binário estar a lançar, em direções diferentes, tanto um vento rápido como um mais lento.

Isto significaria que a estrela apresenta uma rotação muito próxima da rotação crítica — isto é, gira tão rapidamente que está quase a autodestruir-se neste processo. Pensa-se que uma estrela Wolf-Rayet com tão elevada rotação produza explosões de raios gama de longa duração quando o seu núcleo colapsa no final da sua vida. [3], [4]

[1] Crédito da imagem: ESO/Callingham et al.

[2] Callingham, a trabalhar agora no Instituto Holandês de Rádio Astronomia (ASTRON), fez parte deste trabalho quando trabalhava na Universidade de Sydney com o líder da equipa de investigação Peter Tuthill. Para além das observações efetuadas com os telescópios do ESO, a equipa usou também o Anglo-Australian Telescope no Observatório de Siding Spring, Austrália.

[3] Este trabalho foi descrito no artigo científico intitulado “Anisotropic winds in Wolf-Rayet binary identify potential gamma-ray burst progenitor”, publicado na revista Nature Astronomy a 19 de Novembro de 2018.

[4] Esta notícia científica foi traduzida por Margarida Serote (Portugal) e adaptada para o português brasileiro por Gustavo Rojas.

Como citar esta notícia científica: ESO. Uma serpente cósmica. Tradução de Margarida Serote e Gustavo Rojas. Saense. http://www.saense.com.br/2018/11/uma-serpente-cosmica/. Publicado em 20 de novembro (2018).

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