Matheus Macedo-Lima
28/11/2018

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Pense numa coisa bem boa que num instante você voa. – Peter Pan (Disney)

A imaginação pode nos levar a lugares distantes ou imaginários; pode nos inspirar a criar obras de arte e música; pode servir de base para hipóteses científicas e trazer insight para as maiores descobertas da humanidade; pode até nos curar de doenças de corpo e “mente”.

O efeito placebo, por exemplo, pode ser considerado um “fruto da imaginação” que traz benefícios tão reais quanto muitos medicamentos (já escrevi sobre o efeito placebo aqui). Similarmente, uma importante técnica terapêutica na psicologia é a terapia de exposição, que faz uso da imaginação do paciente para auxiliar no tratamento de doenças como ansiedade generalizada e transtorno de estresse pós-traumático.

A terapia de exposição é baseada na teoria da extinção de memórias, formada por meio do estudo de animais de laboratório. Numa situação em que um estímulo (som ou luz, por exemplo) precede uma consequência (boa ou ruim), animais aprendem facilmente essa associação. Já ouviu falar no cachorro de Pavlov? Ele passa a salivar com o som de uma campainha quando aprende que esse som precede comida. Pois bem, caso a comida não seja entregue, e a campainha continua a ser tocada várias vezes, o cachorro para de salivar. Houve extinção da memória.

Na clínica, uma das técnicas usadas na terapia de exposição consiste em instruir o paciente a imaginar a situação ou estímulo por trás do medo ou trauma. A esperança é de que quando o estímulo ruim for relembrado, mas não for acompanhado da consequência ruim, o paciente passará a não reagir mais tão fortemente ao estímulo ou às memórias. Essa técnica tem ajudado pacientes com transtorno obsessivo compulsivo, ansiedade generalizada e transtorno de estresse pós-traumático [2]. No entanto, até o momento não se sabia exatamente o que acontecia no cérebro quando a imaginação entrava em ação.

Um estudo recente vem oferecer um fundamento importante para a terapia de exposição: a imaginação pode realmente transformar o cérebro [3].

Para o experimento, os pesquisadores recrutaram 68 adultos saudáveis para uma bateria de testes: primeiro eles formaram uma associação entre um som e um choque elétrico (o choque não era muito forte; apenas desconfortável). Então houve a extinção da memória: alguns participantes ouviram repetidamente o playback do som usado anteriormente sem receber o choque (extinção real); um outro grupo foi instruído a imaginar o som várias vezes (extinção imaginária); um terceiro grupo foi instruído a imaginar canto de pássaros ou som de chuva, como um controle para o processo imaginativo. Então, os participantes receberam uma série de choques sem aviso (reinstauração do medo). Tudo isso enquanto seus cérebros eram monitorados por ressonância magnética funcional e a corrente elétrica da pele era medida (uma forma de medir respostas de medo através da condutividade do suor na pele).

Você já deve conseguir adivinhar os resultados né…

Durante a fase da reinstauração do medo, as respostas da pele (medo) dos participantes que imaginaram os sons foram semelhantes às do que ouviram os sons no período de extinção! Por outro lado, os participantes que imaginaram pássaros ou chuva apresentaram uma resposta de medo elevada. Isso sugere que apenas imaginar um estímulo ameaçador pode reduzir a resposta fisiológica de medo. Além disso, a ativação dos cérebros dos participantes mostra padrões semelhantes de ativação entre os grupos de extinção imaginada e real no córtex pré-frontal, área envolvida no processo de extinção de memórias.

Esse estudo mostra que há uma importante base neurológica para a terapia de extinção utilizada na clínica. Esse tipo de conhecimento pode auxiliar no tratamento de pacientes, além de informar quanto aos circuitos cerebrais envolvidos na extinção de memórias através do uso da imaginação. Nas palavras dos autores, “uma vez um tópico reservado a poetas e filósofos, a imaginação é hoje reconhecida por psicólogos como uma importante ferramenta cognitiva para tomada-de-decisão e regulação emocional.”

[1] Crédito da imagem: diego alderete (Flickr), CC BY 2.0. https://www.flickr.com/photos/diegoalderete/5756511794/.

[2] EB Foa and CP McLean. The Efficacy of Exposure Therapy for Anxiety-Related Disorders and Its Underlying Mechanisms: The Case of OCD and PTSD. Annu Rev Clin Psychol 10.1146/annurev-clinpsy-021815-093533 (2016).

[3] MC Reddan et al. Attenuating Neural Threat Expression with Imagination,” Neuron 10.1016/j.neuron.2018.10.047 (2018).

Como citar este artigo: Matheus Macedo-Lima. A imaginação pode curar doenças do cérebro. Saense. http://saense.com.br/2018/11/a-imaginacao-pode-curar-doencas-do-cerebro/. Publicado em 28 de novembro (2018).

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