LNLS
13/09/2018

Esquema da ação das nanopartículas ultrapequenas. [1]
Do ponto de vista bioquímico, somos um conjunto complexo de reações químicas interligadas. As moléculas que compõem nosso organismo estão em constante transformação, e é isso que torna possível que obtenhamos energia dos alimentos, que regeneremos danos aos nossos tecidos e sintetizemos os compostos necessários para a vida.

Essas modificações ocorrem, geralmente, com auxílio de outras moléculas chamadas enzimas, que promovem e aceleram reações químicas sem serem consumidas durante o processo.

Para o funcionamento adequado desse complexo sistema, as enzimas devem atuar apenas no local e momento necessários. Por isso, a natureza desenvolveu uma estratégia engenhosa para que isso ocorra: formas inativas das enzimas, conhecidas como pró-enzimas, são continuamente produzidas, mas são ativadas apenas por estímulos específicos.

A ocorrência de algum problema na produção dessas enzimas pode resultar em doenças altamente debilitantes. No entanto, o tratamento de pacientes por meio da reposição enzimática a partir de fontes naturais nem sempre é uma solução adequada.

Por isso, pesquisadores vêm investigando sistemas sintéticos para mimetizar a ação de enzimas naturais para aplicação biomédica e uma das alternativas mais promissoras é a utilização de nanopartículas.

O tamanho extremamente reduzido dessas partículas e a possibilidade de customizar suas propriedades permitem que reações biologicamente relevantes aconteçam em sua superfície. No entanto, tal qual ocorre para enzimas naturais, não é interessante para o organismo que as nanopartículas atuem de forma indiscriminada, sob risco de causar efeitos colaterais que sejam compensados pelos potenciais benefícios de sua utilização.

Assim, inspirados pela natureza, Denise R. Bohn e colaboradores [2] relatam pela primeira vez o conceito de nanopartículas capazes de atuar como pró-enzimas artificiais. No estudo, destacado na contracapa do periódico Journal of Materials Chemistry B, foram sintetizadas nanopartículas ultrapequenas (menores que 2 nm) de hidróxido de cério (III), Ce(OH)3Ce(OH)3, no interior de uma estrutura líquido-cristalina composta por lipídio e água. Na presença de peróxido de hidrogênio (H2O2H2O2), tipicamente presente em regiões inflamadas do organismo, as nanopartículas foram convertidas a óxido de cério, CeO(2x)CeO(2−x).

CeO(2x)CeO(2−x) apresenta reconhecida capacidade de mimetizar a ação da enzima superóxido dismutase. Essa enzima catalisa a degradação do radical superóxido O2O2−, subproduto do metabolismo do oxigênio, que é capaz de causar danos às células. Por esse motivo, as nanopartículas de óxido de cério podem ser consideradas miméticas desta enzima e, por sua vez, as nanopartículas de hidróxido de cério (III), que não possuem essa capacidade, atuam como pró-enzimas artificiais.

Essa conversão, sob demanda, do estado de oxidação do cério permite mimetizar a estratégia adotada pela natureza. Segundo os pesquisadores, os resultados obtidos abrem a perspectiva para uma nova geração de sistemas artificiais inteligentes que permitirão o tratamento de diversas doenças de forma adaptável às necessidades de cada paciente.

A caracterização do cristal líquido foi realizada através de medidas de SAXS na linha de luz SAXS1 do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS). O cristal líquido foi fundamental para manter a estabilidade das nanopartículas em pH fisiológico.

A ativação das nanopartículas pelo peróxido de hidrogênio foi verificada pelo monitoramento do estado de oxidação do cério através de medidas de XANES in situ na linha de luz XAFS2 do LNLS. A toxicidade do sistema foi avaliada em cultura celular e a capacidade das nanopartículas de óxido de cério em atuar como miméticos da superóxido dismutase após ativação foi avaliada através de ensaio in vitro.

[1] Crédito da imagem: Imagem da contracapa do periódico Journal of Materials Chemistry B [DR Bohn et al. Journal of Materials Chemistry B 10.1039/c8tb00479j (2018)].

[2] Fonte: DR Bohn et al. Artificial cerium-based proenzymes confined in lyotropic liquid crystals: synthetic strategy and on-demand activation. Journal of Materials Chemistry B 10.1039/c8tb00479j (2018).

Como citar esta notícia científica: LNLS. Uso de nanopartículas inorgânicas como pró-enzimas artificiais. Saense. http://www.saense.com.br/2018/09/uso-de-nanoparticulas-inorganicas-como-pro-enzimas-artificiais/. Publicado em 13 de setembro (2018).

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