Zenith Nara Costa Delabrida
17/09/2018

[1]
Segundo a literatura da área, a gentileza é um tipo de comportamento pró-social com importantes implicações no cotidiano das pessoas, é uma ação que objetiva beneficiar o outro de maneira pura e natural [2], [3]. Segundo Batson e Powell [4] o “comportamento pró-social abrange uma ampla gama de ações, destina-se a beneficiar uma ou mais pessoas além de si mesmo, são comportamentos como ajudar, confortar, compartilhar e cooperar” (p. 463). Sendo que gentileza pode ser definida como “uma ação espontânea guiada por normas sociais tácitas, de baixo custo e, muitas vezes, sutil, que ocorre durante uma interação breve entre duas pessoas, sendo que uma beneficia a outra” (p.164). De forma geral, pode-se definir a gentileza como aquele ato que não custa para você, mas pode ajudar bastante outra pessoa.

Uma característica interessante da gentileza é que ela é facilmente eliciada e passada adiante, além de ter função de regulação da interação social, impactos na felicidade e no bem-estar. Ser gentil não envolve uma expectativa consciente de retribuição, funcionando como uma norma injuntiva, ou seja, é algo que é esperado socialmente [3]. Pode-se especular que no Brasil não chega a ser uma norma descritiva, ou seja, não encontramos as pessoas sendo gentis como uma forma característica de se comportar.

A gentileza, simpatia e a ajuda podem favorecer um bom ambiente social. Sabe-se que o comportamento de ajuda é moderado pela percepção de controle pelo outro da situação. Quanto mais custosa a ajuda, menor a probabilidade de ajudar [2]. Rabelo, Hees e Pilati [3] expuseram estudantes universitários a duas listas de 30 frases com cinco palavras cada de forma embaralhada e a tarefa do estudante era organizar a frase de forma que fizesse sentindo a sequência de palavras utilizando quatro das cinco palavras. Na condição experimental 15 frases das 30 eram compostas por conteúdo relacionado à gentileza. Em seguida, os estudantes eram apresentados a uma situação que envolvia ajudar um estudante que havia perdido as aulas por uma viagem a lazer ou havia perdido as aulas porque tinha ficado doente. A ajuda que ele precisava eram as anotações de aula. Ao final os participantes respondiam alguns instrumentos para identificar se ajudariam, como atribuiriam a responsabilidade de perder as aulas e as emoções envolvidas na tarefa, dentre outras medidas.

Os resultados do estudo permitem concluir que é possível ativar a gentileza com palavras tendo as palavras como variável situacional. A variável disposicional, relacionada às características do indivíduo e não da situação, que pode exercer influência na gentileza é a prestatividade, mas essa influência só aparece quanto a influência das palavras não está presente. Esse resultado mostrou que a variável situacional, ou seja, a presença das palavras ativadoras tem mais força que a variável disposicional, as características individuais dos participantes. Parece que a ativação das categorias de gentileza ao desembaralhar as frases produz um efeito mais relevante nas emoções simpáticas e, consequentemente, na intenção de gentileza. Outro aspecto, as pessoas podem ajudar mais se perceberem que o outro não tinha controle da situação em que ele precisa de ajuda. Mas, quando as frases com palavras ativadoras de gentileza estavam presentes esse efeito do entendimento do controle da situação influenciar a minha decisão de ajudar não aparece, os estudantes simplesmente sinalizaram que ajudariam indiscriminadamente. Esse é um resultado surpreendente que faz pensar o poder de ativar a gentileza.

A literatura fala da importância da gentileza como um comportamento pró-social que promove benefício a outra pessoa, muitas vezes, um desconhecido, e que gera um contexto social qualificado para a cooperação [2], [3]. A questão que se põe é como um contexto de cooperação é um bom contexto social que pode provocar felicidade e bem-estar.

Quando um indivíduo sinaliza cooperação sendo gentil, está sinalizando o interesse em uma interação onde ambas as pessoas podem ter ganhos, num jogo de ganha-ganha. Esse ganho não é pensado de forma imediata e linear. Esse ganho é o favorecimento de um contexto onde as pessoas cooperam. Ser gentil parece ser um ato banal porque normalmente o custo para quem faz é muito baixo, mas aí está o truque, para quem recebe, muitas vezes, é um grande ganho, “pode salvar o dia”. Para que fique claro, a saúde social de um contexto social está na qualidade das relações que ali são estabelecidas. E, ao longo da vida, a saúde de uma pessoa vai ser definida não só pela sua condição física, mas pelas relações que ela estabeleceu na sua trajetória de vida. A gentileza tem uma função regulatória da interação e das emoções por provocar emoções positivas em quem recebe e reconhecimento social em quem faz.

Para que a gentileza tenha esse efeito contagiante é importante que quem se beneficia do ato compreenda o ato de gentileza, reconheça agradecendo. Agradecer é uma habilidade social como retribuir uma gentiliza. No jogo da vida, em uma outra oportunidade poderá ser gentil com outra pessoa. As habilidades sociais são habilidades que favorecem a competência social tornando a interação social um elemento da vida que promove um desenvolvimento bem-sucedido. Elas estão inclusas nas habilidades de vida, aquelas habilidades fundamentais para que se atinja o bem-estar e um desenvolvimento saudável.

Em um estudo conduzido em Sergipe por Delabrida, Santos e Barletta [5], foi identificado em estudantes universitários que as habilidades sociais têm impacto no estresse percebido do estudante que, por sua vez, tem impacto na percepção do desempenho acadêmico. Os dados sugerem que quanto maior forem as habilidades sociais dos estudantes, melhor o manejo do estresse e maior a percepção de bom desempenho acadêmico.

Um pesquisador americano, Robert J. Waldinger, é o atual diretor do estudo longitudinal da Universidade de Harvard que já dura 75 anos. A partir desse estudo, é possível tirar várias conclusões a respeito do desenvolvimento e envelhecimento. Uma das conclusões mais importantes é que a felicidade não está relacionada a dinheiro, mas aos laços sociais que você cultiva ao longo da vida. Esses laços são poderosos preditores de saúde e bem-estar ao final da vida [6]. Deve-se destacar que esse estudo foca apenas nos homens como sujeitos de pesquisa, suas esposas e filhos também participam do estudo, mas os dados conclusivos são baseados no gênero masculino. Apesar disso, esses são resultados importantes para se ter como referência a importância do contexto social.

Os pesquisadores brasileiros da Universidade Federal de São Carlos, Almir e Zilda Del Prette, têm conduzido estudos a respeito da competência social e como as habilidades sociais podem ser ensinadas, aprendidas e partilhadas promovendo um contexto social favorável e saudável socialmente, e que, ao se entender o papel das interações sociais e dos laços sociais, podem estar associados à felicidade. A literatura indica 10 tipos de habilidades sociais: de comunicação, de civilidade, fazer e manter amizade, empatia, assertividade, expressar solidariedade, manejar conflitos e resolver problemas interpessoais, expressar afeto e intimidade, coordenar grupo e falar em público [7].

Dentre essas habilidades sociais consideradas fundamentais para um bom desempenho social, destaca-se as habilidades que envolvem fazer e manter amizade, que se referem às habilidades envolvidas nas trocas fraternas, e dentre elas, encontra-se a gentileza. Demonstrar gentileza é uma das habilidades que favorece que estabeleçamos laços de amizade. Dessa forma, a gentileza, ao favorecer os laços sociais, pode auxiliar em um envelhecimento bem-sucedido.

Para concluir, a gentileza é um ato numa interação social com baixo custo para quem faz e um grande impacto para quem recebe. Sinaliza um contexto de cooperação, provoca emoções positivas e pode tornar a convivência uma empreitada viável. É possível ativar a gentileza por meio de palavras específicas e, talvez, se isso for levado para o ambiente como paredes, pilastras, colunas, como fez nosso Profeta Gentileza, Sr. José Datrino, possa ativar a gentileza em quem está nesses ambientes como as palavras ativaram a gentileza nos estudantes. O foco da gentileza não é o conteúdo da interação em si, mas na forma que ela será feita prezando uma troca em que ambas as pessoas se sintam impelidas a interagir e se sentir bem nessa interação. Esse é o impacto no nível social. No nível individual, a gentileza é uma das habilidades sociais que favorece o estabelecimento de relações fraternas. Os laços sociais por sua vez são preditores dum desenvolvimento e envelhecimento bem-sucedido. Além disso, pessoas socialmente habilidosas podem manejar melhor o estresse e ter uma percepção maior de sucesso laboral. Portanto, a gentileza pode contribuir, em conjunto com outras habilidades sociais, para o bem-estar e a felicidade dos indivíduos, bem como tornar o contexto social de maneira geral mais saudável promovendo também o bem-estar e a felicidade.

[1] Crédito da imagem: Kate Ter Haar (Flickr), CC BY 2.0. https://www.flickr.com/photos/katerha/4914478820/.

[2] MS Manzolillo. Precedentes da ajuda e das emoções: controlabilidade, contexto e custo. Monografia de Graduação. Faculdade de Ciências da Educação e Saúde, Centro Universitário Brasília, Brasília (2016).

[3] ALA Rabelo et al. A moderação da prosocialidade entre o priming e a intenção de gentileza. Psico 43(2), 4 (2012).

[4] CD Batson, AA Powell. Altruism and Prosocial Behavior. In Handbook of Social Psychology. Vol 2, ed. Daniel T. Gilbert, Susan Fiske, and Gardner Lindzey, 463-484. New York: McGraw Hill (1998).

[5] ZNC Delabrida et al. Habilidades sociais, estresse, desempenho acadêmico em universitários de moradias coletivas. Aceito para publicação na Revista Brasileira de Terapia Cognitiva.

[6] RJ Waldinger et al. Security of attachment to spouses in late life: Concurrent and prospective links with cognitive and emotional wellbeing. Clinical Psychological Science 3(4), 516-529 (2015).

[7] A Del Prette, ZAP Del Prette. Competência social e habilidades sociais: manual teórico-prático. Petrópolis: Vozes (2018).

[8] Veja também: TED. What makes a good life? Lessons from the longest study on happiness. https://www.ted.com/talks/robert_waldinger_what_makes_a_good_life_lessons_from_ the_longest_study_on_happiness/discussion.

Como citar este artigo: Zenith Nara Costa Delabrida. Gentileza: um ato que parece insignificante, mas que pode dar sentido ao dia a dia. Saense. http://saense.com.br/2018/09/gentileza-um-ato-que-parece-insignificante-mas-que-pode-dar-sentido-ao-dia-a-dia/. Publicado em 17 de setembro (2018).

Artigos de Zenith Nara Costa Delabrida Home