Portal de Periódicos da CAPES
23/05/2018

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Surtos de veiculação hídrica e alimentar por protozoários e vírus entéricos são recorrentes em todo o mundo. Estimativas de órgãos como a FAO (2012) – Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação – demonstram que a aquicultura é o setor de produção de alimentos que mais cresce em âmbito global e a maricultura (cultivo de moluscos bivalves destinados ao consumo humano) está em franca expansão no Brasil e no mundo. Contudo, observa-se um déficit no controle higiênico-sanitário dos animais e das áreas onde os mesmos são cultivados ou de onde são extraídos.

Diante do exposto, um grupo de cientistas escolheu uma área de produção de ostras no litoral sul de São Paulo, que comercializa ostras depuradas para consumo humano. O trabalho Genotypic characterization and assessment of infectivity of human waterborne pathogens recovered from oysters and estuarine waters in Brazil foi recentemente publicado pela revista científica Water Research, disponível em texto completo para usuários do Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

O objetivo principal foi avaliar a contaminação e realizar o monitoramento de protozoários patogênicos, anfizóicos e vírus entéricos humanos em diferentes etapas relacionadas à produção de moluscos bivalves antes e após o procedimento de depuração com luz ultravioleta – realizado para eliminar possíveis agentes patogênicos para seres humanos. O ambiente onde encontram-se os bivalves também é utilizado para fins recreacionais e os riscos associados com a prática recreativa também foram abordados na investigação.

Os moluscos bivalves, como diferentes espécies de ostras, mexilhões e vieiras são cultivados em ambientes marinhos ou dulcícolas e, devido ao seu comportamento peculiar de alimentação, refletem diretamente as condições do ambiente em que vivem ou são cultivados. Assim, atuam como biondicadores de contaminação de seu ambiente.

“O despejo de esgoto doméstico sem tratamento (in natura) em corpos receptores que afluem ou são lançados diretamente no ambiente marinho ou estuarino é apontado como a principal fonte de contaminação e introdução de protozoários patogênicos encistados e outros patógenos nestes locais, podendo, desta forma, ser bioacumulados por moluscos bivalves”, detalha o professor Diego Leal, um dos autores da pesquisa.

“O carreamento e a drenagem hídrica de sedimentos, o despejo de fezes por barcos e o importante potencial zoonótico de disseminação de cistos de Giardia e oocistos de Cryptosporidium por aves migratórias, animais marinhos e animais silvestres também são expressivas vias de contaminação do ambiente marinho”, alerta o pesquisador.

Por serem comumente ingeridos crus, os bivalves podem transmitir diversos organismos patogênicos a quem os consome (entre eles bactérias, vírus, protozoários), além de toxinas de algas bioacumuladas, provocando doenças do trato intestinal. “Algumas destas toxinas são, inclusive, termoestáveis. Diante do problema, a indústria maricultora adota procedimentos e tratamentos visando a sanidade do produto antes da comercialização. Contudo, estudos acerca dos processos utilizados no Brasil ainda são incipientes”, analisa Leal.

“O estudo demonstrou pela primeira vez no país que o procedimento de depuração com luz ultravioleta utilizado para purificar os tecidos das ostras não é suficiente para completa remoção de protozoários parasitos e vírus entéricos humanos dos tecidos de bivalves que serão destinados ao consumo humano”, conta o pesquisador. Além disso, foi comprovado que partículas virais recuperadas das ostras depuradas se mantiveram infectantes. Outras constatações significativas podem ser acessadas diretamente no artigo científico.

Legislação

A legislação brasileira vigente para o controle microbiológico de moluscos compreende a Resolução do CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente) nº 357 de 2005 que estabelece normas para a concessão das áreas de cultivo de moluscos. “A pesquisa de coliformes termotolerantes nas águas de cultivo destes animais é indicada. Os órgãos ambientais competentes podem determinar a pesquisa de Escherichia coli em substituição ao parâmetro coliforme”, pontua Leal.

A resolução da ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) mediante a RDC nº 12 de 2001 estabelece padrões microbiológicos para pescados e produtos de pesca, mais precisamente a pesquisa de níveis de estafilococos coagulase positivos e a ausência de Salmonella spp. na carne das ostras.

O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento criou o Programa Nacional de Controle Higiênico-Sanitário de Moluscos Bivalves (PNCMB) com o intuito de manter vigilância ativa de alguns contaminantes em áreas primárias de produção de ostras, visando garantir a sanidade e inocuidade do produto. Isto representou um avanço no controle de qualidade de moluscos bivalves no Brasil em duas vertentes: acompanhamento de microalgas produtoras de biotoxinas marinhas e monitoramento de Escherichia coli na parte comestível do molusco bivalve.

“Deve-se ressaltar que nenhuma destas legislações contempla a pesquisa de protozoários e vírus entéricos na carne dos moluscos e na água onde são cultivados. Além disso, estudos de nosso grupo de pesquisa e de outros ao redor do mundo demonstraram que o monitoramento de bactérias indicadoras de contaminação fecal não é suficiente para assegurar a qualidade e a segurança quanto à contaminação por protozoários patogênicos e também por vírus entéricos neste tipo de alimento”, registra Diego Leal. [2]

[1] Crédito da imagem: takedahrs (Pixabay) / CC0 Creative Commons.
https://pixabay.com/pt/restaurante-cozinha-comida-dieta-1769599/.

[2] Esta notícia científica foi escrita por Alice Oliveira dos Santos.

Como citar esta notícia científica: Portal de Periódicos da CAPES. Dejetos dispensados no mar sem tratamento podem refletir na contaminação de ostras e outros moluscos. Texto de Alice Oliveira dos Santos. Saense. _. Publicado em 23 de maio (2018).

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