Paulo Campos
26/03/2018

Figura ilustrando conjuntos de Mandelbrot: Padrões complexos a partir de regras simples. Uma visão peculiar da complexidade. [1]
O termo complexidade é utilizado de forma ubíqua nos mais diversos ramos da Ciência. Entretanto,  seu próprio significado parece ser distinto para cada um de nós, que em algum momento teve que lidar com a questão. Um problema fundamental na biologia evolucionária é compreender se existe ou não uma tendência na evolução da complexidade. Pelas razões acima citadas, todos os argumentos apresentados nesta área são enfraquecidos pela ausência de uma definição inequívoca para complexidade.

Temos diversas correntes na academia, que podem basicamente ser classificadas em três vertentes: aqueles que acreditam que a complexidade tem aumentado ao longo de nossa história evolutiva; aqueles que consideram que não há qualquer evidência empírica favorável ou contrária a primeira suposição; e finalmente aqueles que pensam que progresso não representa uma força evolutiva direcional. Em um livro bastante polêmico [2], McShea e Brandon clamam que existe uma tendência espontânea para o aumento da diversidade e complexidade em sistemas evolutivos, o que seria para eles a Primeira Lei em Biologia, a lei evolucionária de força-zero.  De acordo com seus argumentos, na ausência de vínculos evolutivos, exceto àqueles associados a reprodução e hereditariedade, a complexidade tende a aumentar continuamente e de forma espontânea.

Apesar dos mais diversos significados para complexidade, um dos mais bem aceitos e compreendidos é aquele associado ao número de funções ou número de tipos de partes distintas que caracterizam o sistema. Este, por exemplo, é a definição adotada por McShea, e outros importantes autores sobre o tema, como Bonner [3] e Bell [4], como também na literatura mais recente em biologia evolucionária.

Utilizando esta métrica para a complexidade, Bell & Mooers [4], e posteriormente Bonner [3] estudaram a correlação entre complexidade e tamanho de organismos. Por muito tempo vigora a ideia intuitiva de que organismos maiores são em geral mais complexos. A ideia subjacente a esta intuição é que organismos maiores apresentam um maior potencial para o desenvolvimento da divisão de tarefas, e consequente especialização. Embora difícil do ponto de vista empírico, Bell & Mooers estimaram a diversidade de tipos de células especializadas  para uma grande variedade de organismos multicelulares. Posteriormente, Bonner estendeu o trabalho de Bell & Mooers não apenas para organismos multicelulares mas também estudou esse tipo de correlação para sociedades, onde por exemplo se analisa como o tamanho da sociedade escala como o número de ocupações. De uma forma geral,  Bonner mostrou que parece de fato existir uma correlação positiva entre tamanho e complexidade, nos dois casos, o que ficou conhecido como regra tamanho-complexidade, embora ressaltado pelo autor que essa relação pode não ser tão rígida.

Recentemente, uma abordagem teórica foi desenvolvida para este problema em nosso grupo de pesquisa [5], tendo como pressuposto a existência de troca entre as funções desenvolvidas por uma célula, o que implica que não é possível para um organismo unicelular otimizar simultaneamente todas as suas funções. Um dos objetivos do trabalho foi justamente abordar a relação tamanho-complexidade e estudar se a topologia dos agregados desempenha algum papel na dinâmica evolucionária. Foi verificado que para diversas condições e mesmo ciclos de vida distintos, que organismos mais compactos tendem a obedecer a regra tamanho-complexidade, ou seja, apresentam uma correlação positiva entre números de funções e número de células. Por outro lado, organismos com estruturas mais frágeis, como os organismos filamentosos, como observado em alguns tipos  de cianobactérias, tendem a violar completamente esta regra, e em alguns casos até mesmo uma correlação negativa entre tamanho e complexidade pode ser obtida.

Esse último tipo de abordagem foi motivado principalmente pelos avanços recentes na biologia evolucionária experimental. Evolução experimental de multicelularidade em leveduras tem sido desenvolvida principalmente pelo grupo do Ratcliff, na Georgia Tech (USA), onde por meio de seleção artificial, é possível mostrar a emergência de organismos multicelulares a partir de seus ancestrais unicelulares [6]. Em geral, os agregados selecionados apresentam formato tipo flocos de neve. Além de demonstrar experimentalmente a emergência de agregados de tamanhos diferenciados (organismos multicelulares), os experimentos recentes já mostram que embora inicialmente as células sejam não-diferenciadas,  um tipo particular de diferenciação celular (apoptose) pode ser observada quando os agregados atingem um certo tamanho.

Acreditamos que esses desenvolvimentos teóricos e experimentais poderão enfim nos ajudar em breve a obter um entendimento mais profundo sobre os mecanismos que guiam a complexidade, e sua relação com a organização biológica. Como consequência direta, teremos a extensão deste entendimento para a evolução social, e a organização estrutural em sociedades.

[1] Crédito da Imagem: Anders Sandberg (Flickr) / Creative Commons (CC BY 2.0). https://www.flickr.com/photos/arenamontanus/3380532731.

[2] DW McShea, RN Brandon. Biology’s first law: the tendency for diversity and complexity to increase in evolutionary systems. University of Chicago Press (2010).

[3] JT Bonner. Perspective: the size-complexity rule. Evolution 10.1554/04-146 (2004).

[4] G Bell, AO Mooers, Size and complexity among multicellular organisms. Biological Journal of the Linnean Society  10.1111/j.1095-8312.1997.tb01500.x (2008).

[5] A Amado, C Batista, PRA Campos. A theoretical approach to the size-complexity rule. Evolution. 10.1111/evo.13392 (2018).

[6] WC Ratcliff et al. Experimental evolution of multicellularity. PNAS 10.1073/pnas.1115323109 (2012).

Como citar este artigo: Paulo Campos. A relação entre complexidade e tamanho em biologia evolucionária. Saense. http://www.saense.com.br/2018/03/a-relacao-entre-complexidade-e-tamanho-em-biologia-evolucionaria/. Publicado em 26 de março (2018).

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