Matheus Macedo-Lima
21/02/2018

[1]
O que separa o ser-humano dos demais animais?

Sociedades complexas? Abelhas, formigas e cupins discordam…

Fabricação de ferramentas? Corvos, chimpanzés e até golfinhos discordam [2]–[4]…

Linguagem? Hmm…

Depende de como definimos linguagem. Outros animais, como pássaros-de-canto, morcegos e golfinhos (entre outros) apresentam muitos aspectos de comunicação bem similares aos nossos. O aprendizado de vocalizações durante o desenvolvimento e primórdios de organização gramatical são exemplos destes. Porém, obviamente, nenhum outro animal apresenta linguagem tão complexa como a nossa…

Por conta desse debate, pesquisadores têm dificuldade em concordar se o nosso cérebro desenvolveu novas regiões especializadas para o aprendizado de línguas. Pesquisadores que estudam modelos animais da linguagem (como eu!) argumentam que animais que desenvolvem aspectos da linguagem (como pássaros-de-canto e papagaios) possuem áreas do cérebro bem similares às de humanos [5]. Linguistas e cientistas estudando humanos costumam discordar de que outros animais possuem linguagem. Mas quem está certo?

Esse debate está longe de ser completamente solucionado, mas um artigo recente sugere que o aprendizado de línguas no cérebro de humanos ocorre em áreas que já existem em outros animais (ponto para nós!) [6].

Os autores do estudo tiveram a seguinte ideia: se a habilidade de aprender línguas em humanos for dependente de uma área especializada do cérebro, essa habilidade não deve depender de nenhuma outra. Por exemplo, se o aprendizado de línguas for dependente da habilidade de memorização, então provavelmente os dois dependem do mesmo circuito cerebral. E foi exatamente isso que eles concluíram!

Esses pesquisadores combinaram 16 estudos (meta-análise) com crianças e adultos que avaliaram a capacidade de memorização juntamente com o aprendizado de línguas. Os resultados foram claríssimos. Em crianças aprendendo a língua nativa, tanto a habilidade de vocabulário como a de gramática apresentaram uma forte correlação com a capacidade de memorização.

Já em adultos que aprendem uma segunda língua, a coisa é um pouco mais complicada (e interessante). Existem vários tipos de memória. Dentre esses tipos, a memória declarativa é aquela por meio da qual conseguimos descrever e verbalizar eventos. Por exemplo, após ler esse artigo, você vai com certeza contar para todo mundo sobre essa novidade, porque ela vai ser armazenada na sua memória declarativa.

Um outro tipo é a memória de procedimentos, que é aquela memória instintiva que não sabemos bem descrever, como dirigir um carro manual, ou digitar.

Voltando ao artigo, os cientistas concluíram que quando um adulto começa a aprender uma segunda língua, essa habilidade está correlacionada com a habilidade de memória declarativa (memorização ativa). Por outro lado, quando o adulto está num nível de segunda língua mais avançado, a habilidade linguística está correlacionada com a capacidade de memória de procedimentos (memória instintiva).

Voltando às crianças, os dois tipos de memória estão envolvidos no aprendizado da primeira língua. Faz sentido, não?

É importante salientar que os achados se aplicam a várias línguas (francês, inglês, espanhol, finlandês e japonês).

Portanto, parece que o aprendizado de línguas ocorre em circuitos cerebrais de memória (que ocorre em todos os animais vertebrados), o que significa que humanos “apenas” desenvolveram a habilidade de utilizar esses circuitos para a linguagem complexa. Isso também reforça a ideia de que estudar esses circuitos em modelos animais pode informar muito acerca do que nos faz “humanos”.

[1] Crédito da imagem: Michel Royon (Wikimedia Commons) / Creative Commons CC0. https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Brain_memory.JPG.

[2] SA Jelbert et al. New caledonian crows rapidly solve a collaborative problem without cooperative cognition. PLoS One 10.1371/journal.pone.0133253 (2015).

[3] C Boesch and H Boesch. Tool use and tool making in wild chimpanzees. Folia Primatol 54, 86 (1990).

[4] M Krützen et al. Cultural transmission of tool use in bottlenose dolphins. PNAS 10.1073/pnas.0500232102 (2005).

[5] RC Berwick et al. Evolution, brain, and the nature of language. Trends Cogn Sci 10.1016/j.tics.2012.12.002 (2013).

[6] P Hamrick et al. Child first language and adult second language are both tied to general-purpose learning systems. PNAS 10.1073/pnas.1713975115 (2018).

Como citar este artigo: Matheus Macedo-Lima. Ter boa memória ajuda a aprender inglês (e outras línguas). Saense. http://www.saense.com.br/2018/02/ter-boa-memoria-ajuda-a-aprender-ingles-e-outras-linguas/. Publicado em 21 de fevereiro (2018).

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