Hendrik Macedo
29/01/2018

Apostas esportivas em Las Vegas. [1]
Uma estrela do futebol americano universitário, Brandon Lang, sofreu uma grave contusão no joelho que o fez ter que se afastar precocemente do esporte. Seu conhecimento e paixão pelo esporte, no entanto, eram tão grandes que Brandon passou a desenvolver uma outra incrível habilidade: a misteriosa capacidade de prever resultados de jogos; uma verdadeira mina de ouro. Esta é a premissa do filme “Tudo por dinheiro” (Two for the Money, EUA, 2005), que conta com Matthew McConaughey e Al Pacino no elenco.

A estória da trama está situada no contexto do mundo das apostas esportivas, mundo esse em que o Reino Unido, não os EUA, são a maior referência mundial. Na verdade, lá se aposta em absolutamente tudo, não apenas em esportes; adivinhar qual seria o sexo do primeiro bebê de William e Kate, por exemplo, valeria uma nota. Não só lojas físicas como a Ladbrokes, que funciona em Londres desde 1902 e possui hoje quase 2 mil lojas em todo o país, mas, principalmente, lojas online movimentam um negócio de bilhões de dólares em todo o mundo atualmente. A facilidade de se apostar em resultados de seu esporte favorito no conforto de seu sofá, em qualquer horário do dia ou da noite, aliada à esperança de ficar rico da noite para o dia, é, para alguns, irresistível.

A Ciência também anda atrás do “Santo Graal”: algum método infalível de previsão de resultados de disputas esportivas, dentre as quais, sem dúvida, o futebol (o inglês) é o alvo mais popular. Ao longo de mais de um século de prática desse esporte, gigantescas bases de dados foram construídas. Essas bases contêm informações diversas e detalhadas sobre campeonatos, partidas e jogadores, que se mostram valiosas para o desenvolvimento e testes de diferentes algoritmos de previsão de resultados ou placares de jogos e previsão de resultados de campeonatos.

Recentemente, um grupo de pesquisadores brasileiros (sim, claro) [2], propôs um algoritmo que utiliza expansão polinomial de características e aprendizado de máquina para prever o resultado de uma partida de futebol: vitória do mandante, derrota do mandante ou empate. Dados de temporadas da Liga Inglesa, Liga Espanhola e do Campeonato Brasileiro foram utilizados no treinamento do modelo de previsão. Esses dados consistiram de diversas características diferentes relacionadas a uma dada partida e o resultado final do jogo em questão. Dentre as características estão, por exemplo, número de chutes a gol, número de dribles corretamente executados, escanteios, bolas perdidas, cartões amarelos, etc. Ao total, 54 características são utilizadas. A expansão polinomial funciona combinando pequenos subgrupos de características e expandindo o espaço de características para uma dimensão onde uma separação mais adequada entre as classes (resultados do jogo) possa ser observada. Os resultados do trabalho mostraram uma taxa de acurácia na previsão do resultado acima de 95% mesmo quando dados ruidosos (informações erradas) eram propositalmente adicionados, mostrando a robustez do modelo de previsão criado.

Já o grupo de pesquisa em Gestão da Informação e Risco da Universidade de Londres desenvolveu um método de engenharia do conhecimento que permite identificar quais informações são realmente importantes para a previsão da performance de um time de futebol ao fim de uma temporada que se inicia [3]. No trabalho, eles modelaram o conhecimento na forma de uma rede bayesiana dinâmica contendo variáveis para representar pontos conquistados na última temporada, contusões de jogadores, mudanças de treinador e na gestão da equipe, número e tipo de competições simultâneas em disputa, investimento financeiro em compra e venda de jogadores, entre outras. As tabelas de probabilidade a priori e condicionais para essas variáveis foram montadas a partir dos dados de 15 temporadas do futebol inglês. Um grande diferencial do trabalho consistiu na inclusão no modelo de ao menos 3 variáveis para modelagem de conhecimento especialista: (1) a fadiga e o estresse da equipe, (2) o nível de instabilidade da equipe como resultado da variação no elenco e (3) o quanto a capacidade gerencial do time aumentou ou reduziu com a chegada de novo treinador. Esta abordagem especialista obteve um erro médio de apenas 5% nas previsões, tendo considerado um conjunto de apenas 300 instâncias de dados em contraste com abordagens orientadas ao aprendizado de máquina que chegam a fazer uso de quase 6 mil instâncias.

Um outro trabalho de pesquisa inovador se propôs a investigar o poder preditivo da opinião coletiva sobre jogadores profissionais de futebol [4]. Os dados foram obtidos da plataforma online transfermarkt.de, onde uma multidão de usuários registrados (pessoas comuns, torcedores) avaliam o valor desses jogadores ao longo de suas carreiras. Utilizando-se de um modelo relativamente simples de regressão, o trabalho mostrou que as previsões de resultados de partidas entre seleções nacionais de futebol com base nas avaliações da multidão são mais precisas do que as baseadas em previsores padrão, como o ranking da FIFA ou a classificação ELO. Os resultados da pesquisa mostram ainda que quando esta melhoria no desempenho da previsão é aplicada a diferentes estratégias de aposta, isso leva a ganhos monetários consideráveis.

Mesmo não legalizadas, muito menos regulamentadas no Brasil, as apostas online movimentavam já em 2014, algo próximo à R$ 1 bilhão anuais (dados do Brazilian Gamming Congress – BgC). Os números são expressivos e preocupantes ao mesmo tempo. Se uma eventual regulamentação desta forma de aposta por um lado traria recursos vultosos para o Estado, por outro, sabemos que o vício em jogo pode se tornar uma fonte de enorme sofrimento e angústia sem fim. A questão é que ainda que a maioria das modalidades de aposta permita em maior ou menor grau alguma manipulação racional por parte dos jogadores (estratégia), o êxito ou o fracasso ainda é bastante dependente de eventos aleatórios que fogem a qualquer controle. Pode ser até que uma análise mais profunda dos eventos mostre que esta imponderabilidade é menor do que o que costumasse crer. De fato, a grande acurácia das previsões obtidas pela máquina recentemente parece de certa forma corroborar com essa hipótese. Entretanto, a engenhosidade (e respectivo sucesso financeiro) de um cassino é fundamentada no fato de que nenhum sistema de apostas que se mostre bem-sucedido perdura sem que haja mudanças; quem estipula as regras, afinal, é a casa! A IA (inteligência artificial) já pode então nos fazer ganhar com apostas esportivas? Sim… até que ela deixe de poder. Portanto, amigos, apostas (legalizadas) devem ser praticadas com moderação, com o propósito único e exclusivo de proporcionar diversão. Esteja certo de que eventualmente você ganhará uma batalha, mas com ou sem um amigo artificialmente inteligente ao seu lado, no fim das contas, a guerra mesmo, “a banca sempre vence”.

[1] Crédito da imagem: Erin Khoo (Flickr) / Creative Commons (CC BY 2.0). https://www.flickr.com/photos/23563020@N08/3958685939.

[2] RG Martins et al. Exploring polynomial classifier to predict match results in football championships. Expert Systems with Applications 10.1016/j.eswa.2017.04.040 (2017).

[3] A Constantinou, N Fenton. Towards Smart-Data: Improving predictive accuracy in long-term football team performance. Knowledge-Based Systems 10.1016/j.knosys.2017.03.005 (2017).

[4] TLPR Peeters. Testing the Wisdom of Crowds in the field: Transfermarkt valuations and international soccer results. International Journal of Forecasting 10.1016/j.ijforecast.2017.08.002 (2018).

Como citar este artigo: Hendrik Macedo. A IA já pode nos fazer ganhar com apostas esportivas? Saense. http://www.saense.com.br/2018/01/a-ia-ja-pode-nos-fazer-ganhar-com-apostas-esportivas/. Publicado em 29 de janeiro (2018).

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