Matheus Macedo-Lima
20/07/2017

[1]
Já ouviu falar de neuróbica? Também conhecida como ginástica cerebral ou treinamento cognitivo, neuróbica refere-se à prática de exercícios para supostamente melhorar o desempenho do cérebro. Como ir para a academia, só que na tela do computador.

Afirmações esdrúxulas de que o “cérebro também é um músculo” à parte, a indústria da neuróbica vem crescendo assustadoramente. Empresas como Lumos Labs e Posit Science Corporation vêm se tornando milionárias com seus produtos que prometem tornar seu cérebro afinado. A Lumos Labs, dona do método Lumosity, por exemplo, faturou mais de 23 milhões de dólares em 2012 [2]!

Mas será mesmo que essa neuróbica funciona?

Recentemente, pesquisadores investigaram os efeitos do programa Lumosity numa amostra de 128 adultos saudáveis e observaram resultados preocupantes [3]. Esse método fornece jogos para smartphone ou computador com propósitos de, por exemplo, aumentar capacidade cognitiva, memória ou velocidade de pensamento.

O grupo treinado com Lumosity foi comparado a um grupo-controle ativo. Esse grupo apenas jogou videogames cuja proposta era puramente entretenimento. O estudo testou se Lumosity melhoraria a capacidade cognitiva dos participantes utilizando testes de memória, atenção, impulsividade e tomada de decisão. Durante os testes, os participantes foram colocados em uma máquina de ressonância magnética funcional para observar a ativação de áreas cerebrais. O regime de treinamento foi de sessões de 30 minutos, 5 vezes por semana durante 10 semanas (total de 25 horas).

Os resultados não foram muito promissores.

O treino com Lumosity não influenciou nenhum dos testes cognitivos. Além disso, a ativação de áreas cerebrais relacionadas a tomada de decisão não diferiu do grupo-controle.

Similarmente, num estudo mais antigo, um treino de 8 horas de Lumosity foi comparado com o videogame Portal 2 [4]. Nesse estudo, o grupo que jogou o videogame apresentou um desempenho superior aos que treinaram com Lumosity em testes de solução de problemas e memória espacial. Curioso, né?

As empresas afirmam que seus produtos são comprovados cientificamente. Contrariamente, em 2016 a Lumosity foi processada por 2 milhões de dólares por propaganda enganosa. O programa afirmava promover benefícios a sintomas de autismo ou efeitos colaterais de quimioterapia, que não eram totalmente embasados cientificamente [5]. Um pouco antes disso, em 2014, cerca de 70 neurocientistas assinaram uma crítica às práticas predatórias das empresas de neuróbicas [6].

Por isso, parece ser uma boa ideia investigar os milagres oferecidos por esses programas, para não ser enganado. Uma dica: busque por artigos de autores sem conflitos de interesse – boa parte dos artigos listados pela Posit Science Corporation (dona do método BrainHQ) são de autoria dos seus próprios funcionários e presidente (não estou aqui duvidando da veracidade dos dados, mas conflitos de interesse devem ser tratados como “cartões amarelos”).

Estudos bem estruturados e sem conflitos de interesse, como os que resumi acima, mostram que é preciso ter cuidado para não ser vítima de um possível golpe. É possível que alguns desses métodos funcionem, mas sugiro sempre buscar a fonte publicada em revista científica e checar a qualidade do estudo (e os conflitos de interesse).

Detalhe: uma cópia de Portal 2 para seu computador custa 35 reais, enquanto uma assinatura do Lumosity para acessar o conteúdo completo chega a custar 37 reais por mês!

[1] Crédito da imagem: Tumisu (Pixabay) / Creative Commons CC0. URL: https://pixabay.com/en/mental-health-brain-training-mind-2313426/.

[2] Forbes. Lumosity on the Forbes America’s Most Promising Companies. URL: https://www.forbes.com/companies/lumosity/. Acesso: 18 de julho (2017).

[3] JW Kable et al. No Effect of Commercial Cognitive Training on Neural Activity During Decision-Making. J Neurosci 10.1523/JNEUROSCI.2832-16.2017 (2017).

[4] VJ Shute et al. The power of play: The effects of Portal 2 and Lumosity on cognitive and noncognitive skills. Comput Educ 80, 58 (2015).

[5] FTC. Lumosity to Pay $2 Million to Settle FTC Deceptive Advertising Charges for Its ‘Brain Training’ Program. URL: https://www.ftc.gov/news-events/press-releases/2016/01/lumosity-pay-2-million-settle-ftc-deceptive-advertising-charges. Publicado em 5 de janeiro (2016).

[6] E Underwood. Neuroscientists speak out against brain game hype. Science. URL: http://www.sciencemag.org/news/2014/10/neuroscientists-speak-out-against-brain-game-hype. Publicado em 22 de outubro (2014).

Como citar este artigo: Matheus Macedo-Lima. Exercícios para o cérebro falham em teste de qualidade. Saense. URL: http://www.saense.com.br/2017/07/exercicios-para-o-cerebro-falham-em-teste-de-qualidade/. Publicado em 20 de julho (2017).

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