André Neves Ribeiro
13/02/2017

O ano começou com ótimas notícias para a spintrônica. [1]
2017 começou promissor para a spintrônica [2] com o anúncio de duas importantes descobertas: 1ª –  um semiconductor em que praticamente todos os elétrons condutores possuem o mesmo spin (ferromagnético); 2ª – uma memória de acesso aleatório (RAM, sigla em inglês) magnetoelétrica puramente antiferromagnética.

Para a primeira descoberta, pesquisadores colocaram uma fina camada de 5 nm de espessura de GaSb sobre uma camada de 12,5 nm de espessura de InAs. O dispositivo InAs/GaSb possui uma estrutura de bandas de energia peculiar [3] – a banda de condução do InAs e a banda de valência do GaSb possuem valores de energia muito próximos. Quando a banda de condução do InAs possui energias maiores do que a banda de valência do GaSb, o material é um isolante comum, mas invertendo as bandas, ou seja, diminuindo a banda de condução para abaixo da banda de valência, surge uma pequena banda proibida devido à hibridização das bandas e o material torna-se um isolante topológico. O que a equipe de pesquisadores da Dinamarca, Holanda e Estados Unidos descobriu agora é como fazer essa inversão de bandas. A receita: uma tensão elétrica que retirou elétrons do InAs e injetou buracos no GaSb. Além disso, eles verificaram que quando a densidade de elétrons móveis (que participam da corrente elétrica) se aproxima da densidade de buracos, as bandas de valência e de condução da estrutura InAs/GaSb se separam em duas sub-bandas devido à interação spin-órbita – uma sub-banda para partículas (elétrons ou buracos) com spin para cima e outra para partículas com spin para baixo. Essa quebra em sub-bandas produz uma polarização de spin, ou seja, todas as partículas de uma sub-banda possuem a mesma orientação de spin. A equipe percebeu que essa polarização chega a 100% das partículas móveis quando a densidade de elétrons é igual a densidade de buracos (ponto de neutralidade de carga), o que ocorreu para uma tensão de -0,6 V a uma temperatura de 50 mK. Para se ter uma ideia de como esse resultado é significativo, a polarização de spin para o InAs é em torno de 15% e para o GaSb chega a no máximo 40% [4, 5].

Já para a segunda descoberta, pesquisadores da Alemanha e da Suíça construíram uma estrutura de Pt(20 nm)/Cr2O3(200 nm)/Pt(2,5 nm) e a utilizaram como uma célula de memória de acesso aleatória não-volátil magnetoelétrica puramente antiferromagnética em temperatura ambiente [6]. Dispositivos de memória de computador podem ser voláteis ou não-voláteis, dependendo, respectivamente, da necessidade ou não de fornecimento contínuo de energia para manter a informação armazenada [7]. As memórias magnéticas de acesso aleatório (MRAM) não-voláteis são classificadas em 4 categorias: 1- MRAM convencional, em que a informação é gravada com corrente elétrica e a leitura realizada com ferromagneto; 2- MRAM antiferromagnética (AF-MRAM), em que a informação é gravada com corrente elétrica e a leitura realizada com antiferromagneto; 3- MRAM magnetoelétrica (MERAM), em que a informação é gravada com campo elétrico e a leitura realizada com ferromagneto; 4- MRAM magnetoelétrico antiferromagnético (AF-MERAM), em que a informação é gravada com campo elétrico e a leitura realizada com antiferromagneto. MRAMs têm despertado enorme interesse comercial porque apresentam excelente velocidade de leitura e uma superior capacidade de reescrita quando comparadas a outras RAMs. AF-MRAMs, acessados por corrente elétrica, apresentam grande estabilidade de dados contra distúrbios magnéticos, enquanto MERAMs possuem escrita energeticamente mais eficiente por não necessitar de corrente elétrica, mas apenas de campo elétrico (o efeito magnetoelétrico é o fenômeno de indução de polarização elétrica/magnética através da aplicação de um campo magnético/elétrico [8]). Por tudo isso, a descoberta de uma MERAM puramente antiferromagnética, ou seja, com tantas características de interesse tecnológico, inicia um novo campo da spintrônica antiferromagnética.

Ferromagnetismo (todos os spins na mesma direção) e antiferromagnetismo (spins vizinhos com direções opostas) são as duas fases magnéticas mais comuns na natureza e por isso mesmo, termos duas importantes descobertas associadas a essas duas fases magnéticas, praticamente de maneira simultânea, é algo bastante emblemático e estratégico para a spintrônica.

[1] Crédito da imagem: Andrew Kuchling (Flickr) / Creative Commons (CC BY 2.0). URL: https://www.flickr.com/photos/akuchling/50310316/in/photostream/.

[2] AN Ribeiro. Spintrônica: a construção de um admirável mundo novo já começou! Saense. URL: http://www.saense.com.br/2016/10/spintronica-a-construcao-de-um-admiravel-mundo-novo-ja-comecou/. Publicado em 10 de outubro (2016).

[3] AN Ribeiro. Existem mais coisas na natureza do que imagina nossa vã filosofia! Saense. URL: http://www.saense.com.br/2016/11/existem-mais-coisas-na-natureza-do-que-imagina-nossa-va-filosofia/. Publicado em 14 de novembro (2016).

[4] F. Nichele et al. Giant Spin-Orbit Splitting in Inverted InAs=GaSb Double Quantum Wells. Physical Review Letters 118, 016801 (2017).

[5] J. Thomas. Synopsis: Flip-Flopping the Bands. URL: http://physics.aps.org/synopsis-for/10.1103/PhysRevLett.118.016801. Acesso: 13 de fevereiro (2017).

[6] T. Kosub et al. Purely antiferromagnetic magnetoelectric random access memory. Nature Communications 8, 10.1038/ncomms13985 (2017).

[7] Wikipedia. Volatile memory. URL: https://en.wikipedia.org/wiki/Volatile_memory. Acesso: 13 de fevereiro (2017).

[8] Wikipedia. Magnetoelectric effect. URL: https://en.wikipedia.org/wiki/Magnetoelectric_effect. Acesso: 13 de fevereiro (2017).

Como citar este artigo: André Neves Ribeiro. Eis que 2017 chegou trazendo duas boas novas para a spintrônica. Saense. URL: http://www.saense.com.br/2017/02/eis-que-2017-chegou-trazendo-duas-boas-novas-para-a-spintronica/. Publicado em 13 de fevereiro (2017).

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