Matheus Macedo-Lima
17/08/2016

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Para a tristeza de muitos, nosso colágeno tem vida útil. Um dos sintomas dessa data de validade é o enrijecimento e perda da elasticidade da pele, o que faz com que contração dos nossos músculos da face (temos 43 deles!) cause a formação de dobras na pele, ou “marcas de expressão”. Elas podem até fazer os sorrisos perderem um pouco da alegria, não é mesmo?

Quando enfim se conclui que cremes antirruga parecem não mais funcionar, há somente duas alternativas: conformar-se com as marcas da idade ou submeter-se a um procedimento de injeção de toxina botulínica tipo A – o Botox (nome comercial).

Como o próprio nome “por extenso” descreve, é realizada a injeção de uma toxina bacteriana que paralisa neurônios, por meio da inibição da liberação de neurotransmissores [2]. O Botox ajuda a reduzir as marcas de expressão, pois ao paralisar neurônios motores, aqueles músculos ao redor da injeção param de contrair. Devido a esse efeito, toxinas botulínicas também podem ser usadas para tratar doenças como dores crônicas, espasmos e fibrilações musculares.

Acontece que essa é uma das mais potentes toxinas conhecidas na natureza… seria um problemão se ela acabasse se espalhando para além do local da injeção, não é? Eis o problema…

Há relatos de casos na literatura em que as toxinas botulínicas podem se espalhar e causar sintomas de botulismo, mas até então não havia um experimento científico conclusivo. Um grupo de pesquisadores propôs solucionar esse mistério in vitro [3]. Eles cultivaram neurônios de embriões de roedores em mini placas contendo meio de cultura. Neurônios jovens tendem a se arborizar e enviar projeções para formar contatos com outros neurônios. Os cientistas conseguiram que alguns dos neurônios crescessem seus axônios (as portas de saída dos sinais elétricos) através de pequenos tubos para um outro compartimento da placa. Então, os pesquisadores injetaram toxinas botulínicas somente no compartimento onde os axônios estavam e observaram que os neurônios em contato direto com a toxina transportaram-na para os outros neurônios, espalhando o efeito tóxico. Além disso, eles mostram que esse transporte pode ser reduzido com a aplicação de anticorpos contra a toxina.

Esse estudo levanta um sinal de alerta para a indústria bilionária do Botox – que movimenta em torno de 2 bilhões de dólares por ano. Caso esse fenômeno seja confirmado em pacientes, será necessária uma reavaliação do uso dessas toxinas. Os órgãos reguladores responsáveis pela saúde pública poderão exigir maior cautela na utilização e melhor acompanhamento dos casos em que o Botox é aplicado. Além disso, pode ser desejável o investimento na criação de uma forma alterada da toxina que não se espalhe para outros neurônios.

Por enquanto, o melhor é aceitar e viver em paz com nossas rugas!

[1] Crédito da imagem: Michael Reuter (Flickr) / Creative Commons (CC BY 2.0). URL: https://www.flickr.com/photos/michaelreuter/5409410945/.

[2] O Rossetto et al. Botulinum neurotoxins: genetic, structural and mechanistic insights. Nature Reviews Microbiology 12, 535 (2014).

[3] E Bomba-Warczak et al. Interneuronal Transfer and Distal Action of Tetanus Toxin and Botulinum Neurotoxins A and D in Central Neurons. Cell Reports 16, 1974 (2016).

Como citar este artigo: Matheus Macedo-Lima. Neurônios espalhando Botox! Ainda vale à pena? Saense. URL: http://www.saense.com.br/2016/08/neuronios-espalhando-botox-ainda-vale-a-pena/. Publicado em 17 de agosto (2016).

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