Tábata Bergonci
24/02/2016

O autismo atinge mais de vinte milhões de pessoas no mundo. [1]
O autismo atinge mais de vinte milhões de pessoas no mundo. [1]
Doenças causadas por problemas no desenvolvimento do sistema nervoso são complicadas em vários aspectos: são difíceis de diagnosticar, medicar, aliviar sintomas e descobrir suas origens. Encontrar as causas genéticas que desencadeiam tais doenças é fundamental para que a medicina possa avançar no tratamento dos pacientes.

Dentre diversos transtornos neurológicos, o autismo se destaca por estar presente em mais de vinte milhões de pessoas no mundo [2]. A doença faz parte do que se conhece por desordens do espectro autista (que também incluem a síndrome de Asperger e outras anormalidades de interação social), e se caracteriza por ser um distúrbio do desenvolvimento neural, com pacientes que tipicamente apresentam sintomas antes de completarem três anos.

Em 2011, geneticistas descobriram que ratos que não expressavam a proteína SHANK3 apresentavam comportamentos comparáveis aos sintomas de autismo, como ansiedade, interação social prejudicada e comportamentos repetitivos [3]. Na falta dessa proteína a eficiência da neurotransmissão é reduzida, o que faz com que as informações passem de um neurônio para o outro mais lentamente.

Agora, um novo estudo mostra que a restauração da mesma proteína pode reverter alguns aspectos do autismo! Para restaurar essa proteína em ratos adultos, os pesquisadores inseriram uma cópia do gene SHANK3 no genoma, com a expressão controlada por uma droga [4]. Quando os ratos foram submetidos ao tratamento com a droga, a eficiência na neurotransmissão foi recuperada! Esse experimento mostrou uma grande novidade: mesmo após o período de desenvolvimento, é possível readquirir funções no cérebro.

Sabendo disso, os pesquisadores começaram a investigar o comportamento desses ratos. Inicialmente, cada indivíduo foi colocado em gaiolas separadas e movimentos repetitivos (como esfregões na cabeça e corpo e limpeza da face) foram quantificados. Os ratos com a proteína restaurada apresentaram comportamento semelhante, enquanto os ratos sem a proteína repetiam muito mais esses comportamentos.

Em um segundo teste, um rato foi colocado numa gaiola central com acesso a duas gaiolas laterais. Em uma das gaiolas laterais foi colocado outro indivíduo (da mesma idade do rato analisado); enquanto na outra gaiola foi colocado um objeto. Os ratos foram deixados livres para escolher se interagiam com o objeto ou com o outro indivíduo. Ratos normais demonstraram uma forte tendência a preferir a interação com outro rato em detrimento do objeto, enquanto ratos que não expressam a proteína SHANK3 não mostraram preferências. Ratos com a proteína recuperada apresentaram comportamento semelhante a ratos normais.

Apesar das respostas encontradas serem promissoras, muitos avanços ainda são necessários e algumas questões precisam ser avaliadas mais profundamente. A proteína SHANK3, quando em alta quantidade no organismo, leva ao déficit de atenção, ao transtorno de hiperatividade e ao transtorno bipolar. Assim, é necessário um fino balanço na proporção da proteína no organismo para que efeitos colaterais não apareçam. Mesmo assim, como tantas características são controladas por um único gene (que se em quantidade adequada não parece trazer malefícios), e porque a função cerebral foi resgatada na fase adulta, a esperança na melhoria da qualidade de vida do autista, ou mesmo a possibilidade de cura, ressurge!

[1] Crédito da imagem: Piotr Księżopolski (Flickr) / Creative Commons (CC BY 2.0). URL: https://www.flickr.com/photos/pycik/8049886838/.

[2] Global Burden of Disease Study 2013 Collaborators. Global, regional, and national incidence, prevalence, and years lived with disability for 301 acute and chronic diseases and injuries in 188 countries, 1990–2013: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2013. The Lancet 386, 743 (2015).

[3] J Peça et al. Shank3 mutant mice display autistic-like behaviours and striatal dysfunction. Nature 472, 437 (2011).

[4] Y Mei et al. Adult restoration of Shank3 expression rescues selective autistic-like phenotypes. Nature 530, 481

Como citar este artigo: Tábata Bergonci. Autismo: avanços lentos, mas significativos, para a cura. Saense. URL: http://www.saense.com.br/2016/02/autismo-avancos-lentos-mas-significativos-para-a-cura/. Publicado em 24 de fevereiro (2016).

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